A minha filha mais velha passou os primeiros seis meses de vida acordada. Ou assim pareceu. Achámos que a probabilidade de um segundo rebento ser igual era baixa e atirámo-nos de cabeça. Pouco depois, aí estava ele, disciplinadíssimo, a acordar apenas de três em três horas. E assim foi durante três anos.

A história só surpreende quem nunca apanhou o expresso da parentalidade. Ou então a mais rara e desprezada raça de pais, gente com filhos que sempre dormiram “como uns anjinhos” – e que usa essa expressão. Sabemos que a nossa vida mudou para sempre quando o nosso desejo mais ardente – mais que sexo, mais que amor, mais que bocas de incêndio a jorrar notas de 100 euros – é conseguir dormir. Não é por acaso que é esse o tema do primeiro episódio da nova série da HBO, “Breeders”. Ia dizer “comédia”, que é o que vem na ficha técnica, mas o trauma deixou marcas. Já agora, há estudos científicos que explicam de que forma a privação de sono afeta o sentido de humor.

Num total de seis curtos episódios que têm vindo a estrear-se ao longo do mês de Março, “Breeders” fala sobre as contradições da parentalidade moderna. Que é bastante diferente da parentalidade mitológica construída em livros, filmes, contas de influencers e no nosso contexto familiar. Uma vida inteira a ouvir contos de fadas para um dia acordarmos – à 1h da manhã, e depois às 2h30, às 4h e às 4h30 – e percebermos que demos à luz o Gollum. Logo na primeira cena, Paul (Martin Freeman), 45 anos, dois filhos e baldes de ansiedade, diz à mulher, “Seria capaz de morrer por aquelas crianças. Mas muitas vezes também quero matá-las.” Quem nunca? A novidade está na admissão.

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