Depois de uma espécie de pacto de não-agressão ter marcado as últimas semanas na política de Espanha, perante aquela que é a segunda maior crise do novo coronavírus em todo o mundo, o fino verniz da união em torno da ação do governo de coligação do PSOE com o Unidas Podemos estalou perante uma nova vaga de medidas para fazer frente à pandemia.

Em causa está um conjunto de medidas — que visam prolongar e intensificar a paralisação do país, mantendo-se apenas em atividade os setores considerados essenciais, que se cingem à venda e produção de bens de primeira necessidade  — que foram aprovadas em decreto no sábado.

A estas, juntam-se novas medidas a serem consideradas esta terça-feira em conselho de ministros  e para os quais o governo procurará obter validação no Congresso dos Deputados esta terça-feira. Até agora, as medidas propostas pelo governo de Pedro Sánchez (que, apesar de coligação, é minoritário) têm contado com a luz verde da oposição à direita e com a abstenção de independentistas.

Porém, isso pode estar prestes a mudar.

Casado contra suspensão económica, acusa Sánchez de “deslealdade”

Quem levantou mais a voz foi Pablo Casado, líder do Partido Popular (PP), maior força da oposição. De acordo com o El País, Pedro Sánchez já não fala com o líder do PP desde dia 23 de março — uma ausência de contacto que levou o líder conservador a atirar diretamente contra o líder do governo, remetendo para a última conversa que tiveram.

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“[Pedro Sánchez] disse-me que a economia não seria encerrada e que seria positivo que o Partido Popular não condicionasse o seu apoio ao prolongamento do estado de alarme a esse enecerramento”, disse Pablo Casado. “Disse-me que não o faria, mas depois fez o contrário. O meu ocultou informação ou não me disse a verdade”, atirou o líder do PP.

“Não nos podem dar informação falsa e não é possível remar na mesma direção se nos levam para um precipício”, acrescentou ainda Pablo Casado, referindo que o “encerramento de empresas” por parte do governo de Pedro Sánchez é uma “deriva em direção às teses do Podemos”, numa referência àquele parceiro minoritário da coligação governativa. No domínio empresarial, Pablo Casado quer maiores garantias por parte do governo de Pedro Sánchez de um”mecanismo de liquidez” para a economia — isto depois de Pedro Sánchez ter anunciado um plano de 200 mil milhões de euros, entre dinheiro público e privado, para fazer frente ao choque económico do novo coronavírus.

“Não estamos aqui para assaltar os céus, mas sim para derrotar o vírus”, acrescentou Pablo Casado, parafraseando um antigo slogan do Podemos.

Também à direita do governo, o líder do Vox, Santiago Abascal, alertou para uma “ala comunista” dentro do executivo espanhol e para os perigos que esta representará para a “propriedade privada”.

“A improvisação e a imprecisão do governo traduz-se em insegurança jurídica para milhões de espanhóis que ainda não sabem se daqui a umas horas podem trabalhar ou não”, escreveu no domingo, Santiago Abascal, que testou positivo para o novo coronavírus. “Soma e segue, enquanto a ala comunista do governo começa a ameaçar a propriedade privada. São um perigo.”

Também à direita, o Ciudadanos, que até agora tem adotado uma postura cooperante com o governo de Pedro Sánchez na gestão da crise do novo coronavírus, deu um passo em direção à crispação política. Na segunda-feira à noite, atirou contra o socialista e as medidas de suspensão das atividades ditas essenciais.

“Ontem [domingo] à noite, muitas famílias tinham o coração nas mãos, porque não sabiam se tinham de ir trabalhar no dia seguinte, se tinham de se deslocar, se o seu trabalho estava ou não abrangido por alguma medida”, apontou a presidente eleita do partido, Inés Arrimadas. “Creio que num momento como este o governo tem de dar tranquilidade, tem de dar segurança jurídica, tem que dar certezas, e o que vimos nos últimos dias é o contrário disso tudo.”

Perante suspensão da indústria, nacionalistas bascos podem roer a corda

Se nenhum dos partidos à direita do PSOE eram tidos como viabilizadores da coligação governativa de Pedro Sánchez com Pablo Iglesias, fale-se em tempos de crise ou fora deles, o mesmo já não se pode dizer do Partido Nacionalista Basco (PNV, na sigla espanhola). Essencial para que o governo de Pedro Sánchez tomasse posse em janeiro, o PNV começa a dar sinais de descontentamento com o socialista e os seus aliados do Unidas Podemos.

A decisão do PNV esta segunda-feira foi a de não apoiar o decreto que interrompe a atividade de todas as atividades tidas como não-essenciais — restando apenas que se saiba se essa posição será assumida através de uma abstenção ou de um voto contra. A motivar a decisão dos nacionalistas bascos estará a indústria da sua região, receando aqueles que uma interrupção da atividade possa prejudicar em particular aquela região, mais economicamente dependente das suas fábricas do que outras menos industrializadas.

A partir do PNV, já foi deixado um sinal de que a paciência dos nacionalistas bascos pode terminar em breve. “Um governo de minoria deve estar consciente de que, por mais que o estado de alarme esteja em vigor, continua a ser de minoria”, disseram fontes do PNV ao El País. “Não vamos dar cobertura política nem mediática aos erros de Sánchez.”

Também na Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) há sinais de mal-estar, embora no sentido inverso dos nacionalistas bascos. No governo regional da Catalunha (do qual a ERC é parceiro minoritário), os pedidos de encerramento de toda a atividade económica não-essencial têm sido recorrentes — chegando a ser utilizados como arma de arremesso político na arena internacional, colocando fim a uma aproximação ensaiada entre o governo central e o governo regional da Catalunha, cujos partidos também viabilizaram a tomada de posse de Pedro Sánchez em janeiro.

Na ERC, apesar de o anúncio de medidas por parte de Pedro Sánchez ir ao encontro das que eram exigidas pela Generalitat, a porta-voz, Marta Vilalta, classificou o decreto como “uma manta de retalhos jurídica”.

“Não deixa tempo às empresas para se poderem organizar e não tem medidas de acompanhamento tanto para as empresas como para os trabalhadores poderem suportar esta situação”, disse a porta-voz da ERC.

Na Catalunha, o combate ao coronavírus já é arma de arremesso de independentistas contra Sánchez