Apesar da transmissão de uma peça via Internet, por causa do novo coronavírus, o encenador João Branco considerou esta quarta-feira que o futuro do teatro cabo-verdiano vai continuar a passar por pessoas a assistir espetáculos no mesmo espaço.

Desde meados de março que praticamente todas as atividades do teatro na ilha cabo-verdiana de São Vicente cessaram por causa das restrições impostas pela pandemia provocada pelo novo coronavírus.  Além disso, o Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas ordenou o fecho de todas as suas estruturas públicas, assim como a Academia Livres de Artes Integradas do Mindelo (ALAIM) e o Centro Cultural do Mindelo, as duas estruturas físicas que iram receber espetáculos teatrais.

Todas as atividades foram canceladas. Neste momento, o mais importante é a saúde das pessoas e tentar contribuir com aquilo que chamei pedagogia social, para que pudéssemos minimizar ao mínimo os efeitos negativos e mesmo catastróficos da pandemia em Cabo Verde”, disse João Branco, em declarações à agência Lusa.

E com todas as estruturas físicas fechadas, o grupo de teatro do Centro Cultural Português (CCP) do Mindelo encontrou como solução a transmissão “online” e em direto, em 27 de março, da peça “As Palavras de Jó”, a partir de um estúdio improvisado na segunda maior cidade do país. Uma experiência para não deixar passar em claro o Dia Mundial do Teatro, assinalado no mesmo dia, segundo João Branco, que é também presidente da Associação de Teatro Mindelact, que organiza o festival internacional com o mesmo nome, no “centro” do teatro em Cabo Verde.

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Foi algo bastante emocionante. Tivemos cerca de 1.200 pessoas a ver o espetáculo ao vivo, que também ficou integral na rede social Facebook e já tem quase 2 mil visualizações”, referiu o também diretor do CCP do Mindelo, considerando tratar-se de “algo inédito” em Cabo Verde.  “E chegou em todo o mundo com boa qualidade de som e imagem. Foi a maneira que nós arranjamos para celebrar e sublinhar o Dia Mundial do Teatro”, prosseguiu o ator.

Nas declarações à Lusa, João Branco garantiu que “há possibilidade” de este ou outro espetáculo de teatro voltar a ser transmitido na Internet, o que deverá acontecer em 6 de abril, no âmbito do Festival Quarentena, organizada pela Escola de Teatro de São Paulo, o maior centro de formação de artes cénicas da América Latina, com sede no Brasil.

Mesmo assim, sublinhou que a natureza do teatro implica que a obra de arte seja apresentada em contacto com o espetador, considerando, por isso, que o futuro continuará a passar pela confraternização da arte cénica no mesmo espaço físico, frente a frente com o público e artistas.

Esta é a principal característica da natureza do ato teatral e nada vai mudar isso. Aquilo que nós esperamos, obviamente, é que a pandemia passe e nós possamos voltar à nossa atividade normal, possamos apresentar espetáculos e que o teatro possa voltar a ir ao encontro daquilo que é a sua própria natureza”, perspetivou o responsável, um dos principais rostos do teatro em Cabo Verde.

Apesar de estar tudo parado em São Vicente, João Branco salientou que isso não afeta em grande medida os fazedores de teatro, tendo em conta que, embora algumas pessoas tirem de lá algum sustento, não é uma atividade profissionalizada em Cabo Verde.  “Não tenho como quantificar isso do ponto de vista financeiro ou económico, mas acho que do ponto de vista social e psicológico facilmente se percebe que é uma atividade que deixa muita falta”, salientou o ator luso-cabo-verdiano, que chegou a Cabo Verde em 1992.

João Branco aproveitou para enviar uma “abraço solidário” a todos os agentes teatrais de Cabo Verde e de outros países, com os quais já criou uma rede de “afetos” e que também estão a passar por uma “situação muito” difícil por causa das restrições impostas pelo novo coronavírus.

Cabo Verde conta com seis casos confirmados de Covid-19, nas ilhas da Boa Vista e de Santiago (Praia), um dos quais acabou na morte de um turista inglês, de 62 anos.

O novo coronavírus, responsável pela pandemia da Covid-19, já infetou mais de 803 mil pessoas em todo o mundo, das quais morreram mais de 40 mil. Depois de surgir na China, em dezembro, o surto espalhou-se por todo o mundo, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar uma situação de pandemia.

O número de mortes em África subiu para 173, com os casos confirmados a ultrapassarem os 5 mil em 48 países, de acordo com as mais recentes estatísticas sobre a doença no continente.