Segundo Alda Mira Coelho, diretora do serviço de pedopsiquiatria do Hospital de São João, no Porto, o novo coronavírus não provoca propriamente o agravamento do autismo, mas pode trazer consequências. “Eles podem desenvolver ansiedade perante situações novas ou ameaçadoras, são doentes extremamente sensíveis a tudo o que se passa a volta deles”, começa por explicar em entrevista ao Observador.

As perturbações do autismo afetam a comunicação, a interação social e o comportamento, normalmente com tendência a ser repetitivo e rotineiro, mas num cenário de pandemia e de isolamento social a ansiedade e a agitação podem ser mais acentuadas e, em casos mais graves, poderá existir uma menor capacidade de funcionamento.

As reações de cada doente vão depender da idade e do grau de gravidade do autismo, assim como o seu nível de linguagem e de funcionamento.“De forma geral ficam mais ansiosos e agitados, com comportamentos repetitivos e sem conseguir regular-se. Podem eventualmente ficar mais auto agressivos, quando não conseguem canalizar a sua ansiedade de outra forma. Noutras situações, podem isolar-se num comportamento rotineiro, estando no computador o dia todo, por exemplo.”

A ausência da escola para os mais novos parece ser o principal motivo da alteração de rotina, uma vez que as crianças autistas têm necessidade que as suas atividades sejam reguladas e planeadas. “Claro que é uma situação completamente necessária, ninguém duvida que as escolas devam estar fechadas e que seja necessária esta medida, mas é preciso tentar colmatar as consequências disso.”

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“Elas estão agora com a alteração completa das suas rotinas, sem os apoios e as terapias que costumam ter e confinadas ao espaço de sua casa, o que provavelmente aumenta o stress delas e dos próprios pais”, afirma a médica.

Alda Mira Coelho coordena as consultas de autismo no Hospital de São João, no Porto, que neste momento são feitas por telefone ou online, nos casos mais problemáticos. A especialista não tem dúvidas que o apoio e o acompanhamento dos pais com filhos autistas nesta fase é “fundamental” e defende que a escola possa desempenhar também um papel importante.

“Talvez fosse bom tentar mobilizar esforços junto dos professores de ensino especial e terapeutas, que costumam apoiar as escolas, para ver sé possível enviarem algum suporte de aulas online e atividades. Penso que poderia ajudar a tranquilizá-los e ocupar o tempo de outra forma.”

No caso deste estado se prolongar, a médica acredita que pode mesmo acontecer uma regressão de aquisições nestes doentes. “Algumas aquisições que tinham conseguido podem regredir e será difícil voltar novamente às rotinas que tinham. Essa adaptação poderá demorar”, alerta, acrescentando que algumas crianças até estão “mais tranquilas, uma vez que estão com os pais no seu ambiente natural”.

Explicar, planear e tranquilizar

Para a diretora do serviço de pedopsiquiatria do Hospital de São João é essencial esclarecer os doentes sobre o que se está a passar e no caso das crianças caberá aos pais e aos familiares fazê-lo. “É importante esclarecer as crianças, de acordo com a sua capacidade de entendimento, sobre o que se está a passar, de uma forma tranquilizadora. Explicar-lhes que é uma situação que vai ser ultrapassada, dizendo que existe o risco de haver uma infeção lá fora e é por isso têm de ficar em casa.”

O segundo concelho que a médica deixa é a necessidade de planificar o dia dos doentes autistas. “Fazendo uma lista de tarefas muito próximas do que eles costumavam ter, ou seja, atividades parecidas com as da escola.” O movimento, a música e o relaxamento ao fim do dia podem fazer parte dos estímulos de uma rotina que “deve evitar o mais possível a pressão e a preocupação”.

A Associação Portuguesa das Perturbações do Desenvolvimento e Autismo (APPDA) partilhou várias sugestões do que crianças e jovens autistas podem fazer durante este período, como trabalhos manuais, experiências sensoriais, pinturas, jogos ou vídeos animados.

Paula Pinto Freitas, pedopsiquiatra e diretora técnica geral da APPDA – Norte, lembra que a Covid-19 se tornou “num grande desafio” para estes doentes, havendo uma necessidade de adaptação ao que há de novo. “Os centros de atividades ocupacionais estão encerrados, os utentes foram obrigados que regressar a casa das suas famílias e podem rejeitar essa mudança. É necessário criar-lhes uma rotina previsível, de acordo com o seu novo contexto.

Na região norte a associação contempla alguns serviços como um lar residencial, um centro de estudos, um centro local de intervenção no desenvolvimento e grupos para a autonomia e socialização em contexto, acompanhando um total 100 pessoas, 30 adultos e 70 crianças e jovens.

Até ao momento, no lar residencial da APPDA Norte onde estão 30 pessoas, não há infetados pelo novo coronavírus, mas essa possibilidade assusta a presidente. “Eles podem rejeitar muito facilmente o uso de uma máscara, por exemplo. É necessário explicar-lhes o que vivemos e mantê-los tranquilos”, sublinha Paula Pinto Freitas.