“Top Gun” faz 34 anos em 2020. Faz parte da lista de filmes mais célebres dos anos 80 — não necessariamente pelos aviões ou pelos porta-aviões, mas por Tom Cruise, pela banda sonora e pela inspiração que deu a muitos jovens adolescentes. Foi, aliás, daqueles filmes que só ganharam categorias técnicas nas cerimónias de prémios e cujo Óscar de Melhor Música Original, por “Take My Breath Away”, acaba por ser o ponto alto do filme realizado por Tony Scott.

Ainda assim, mais uma vez não deixou de inspirar milhares de jovens adolescentes. Milhares de jovens adolescentes que queriam ser como Maverick, o protagonista interpretado por Tom Cruise, e que nos anos 80 sonharam com uma carreira na aviação ou na Marinha. Brett Crozier, nesses mesmos anos 80, foi um desses milhares de jovens adolescentes. Tornou-se piloto de helicópteros navais e depois passou para os caça-bombardeiros F/A-18. Atualmente, aos 50 anos, era o capitão do porta-aviões nuclear norte-americano Theodore Roosevelt, um navio com mais de 330 metros de comprimento. O filme de Brett Crozier, porém, acabou por ter esta semana um enredo diferente da de “Top Gun”.

Brett Crozier era o capitão do USS Theodore Roosevelt, um porta-aviões com mais de 300 metros de comprimento

Na segunda-feira da semana passada, Crozier enviou aos meios de comunicação social norte-americanos a mesma carta que tinha enviado dias antes ao alto comando da Marinha dos Estados Unidos. O tema era urgente: o porta-aviões necessitava de ser evacuado de forma imediata devido a um surto de coronavírus dentro do navio. A demora da resposta das patentes responsáveis levou o capitão a optar pela via alternativa, atirando a história para os jornais na esperança de pressionar uma decisão, conta o El Mundo. E conseguiu. Apenas um dia depois, a Marinha autorizou a evacuação do Theodore Roosevelt. Mas também um dia depois, a Marinha anunciou a destituição de Brett Crozier do cargo de capitão do porta-aviões nuclear. No sábado, em declarações que acabaram por dar o aval do presidente à opção tomada pela Marinha, Donald Trump classificou a atitude de Crozier como “terrível” e “inapropriada”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A evacuação deu-se em Guam, uma ilha do Pacífico. Quando desceu do porta-aviões, Brett Crozier foi recebido por aplausos e gritos da própria tripulação, que chamavam por ele — a mesma tripulação que procurou proteger até às últimas instâncias e que acabou por significar um fim de carreira antecipado. Thomas Modley, o secretário da Marinha de Donald Trump que foi pessoalmente responsável pela destituição do capitão, ainda tentou expulsar definitivamente Brett Crozier das Forças Armadas, considerando a atitude “uma traição” — mas a pressão do Congresso e do Comité das Forças Armadas da Câmara dos Representantes acabou por segurá-lo.

Secretário da Marinha dos EUA demite-se após afastar comandante de porta-aviões

Entretanto, o próprio Thomas Modley acabou por pedir a demissão do cargo de secretário da Marinha, após um mar de críticas que visavam a forma como geriu a crise. “Hoje de manhã aceitei a demissão de Modly. Foi ele a demitir-se (…) para que a Marinha possa seguir em frente”, escreveu esta terça-feira no Twitter Mark Esper, o secretário da Defesa. A demissão de Modley, assim como a opinião pública — que está praticamente toda ao lado do antigo capitão –, podem abrir a porta a um regresso de Brett Crozier a quaisquer funções, em cenário de mudança de Administração dos Estados Unidos. Afinal, existem precedentes: em 2009, Barack Obama colocou Eric Sinsheki à frente do Departamento de Veteranos, um militar que tinha sido destituído oito anos antes por Donald Rumsfeld, secretário da Defesa de George W. Bush, devido a uma discussão sobre a necessidade de um sistema de artilharia autopropulsada. E aí, Brett Crozier teria o final perfeito do seu próprio “Top Gun”.