Foram dez anos a trabalhar como diretora de arte no ramo da publicidade. Mas esses são tempos que Sofia Bártolo deixou para trás em nome de um projeto maior, um hobbie que virou negócio, um pequeno curso para satisfazer o impulso de ter algo nas mãos que se tornou num caso sério de empreendedorismo e design. À marca, que criou em agosto de 2019, depois de andar há já um ano entretida com a cerâmica, chamou Sömmer, numa referência à mais luminosa das estações do ano.

O resultado final foi uma mistura inusitada de materiais. De um lado a brancura e a fragilidade da porcelana, do outro o ouro como o mais tradicional dos elementos da joalharia. Como boa portuguesa, a memória da porcelana prendia-se sobretudo com objetos utilitários, mas sempre com um quê de solenidade. Mas em Estocolmo, por onde passou antes de assentar na capital do país vizinho, percebeu que o material era unanimemente considerado em peças do dia a dia.

© Divulgação

“Mais tarde, comecei precisamente por aí, pelas peças utilitárias. Mas eram demasiado grandes, não conseguia produzi-las em casa. Foi então que comecei a dedicar-me à joalharia”, partilha Sofia com o Observador. Depois das aulas de cerâmica, nasceu a Sömmer, projeto à escala de um pequeno apartamento de Madrid, mas cujo sucesso exigiu que a sua mentora se dedicasse a ele a tempo inteiro.

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“Acho que as coisas se alinharam. A marca surgiu muito por influência de amigos e da família também e, embora estivesse em Espanha, também quis trazer algum daquele minimalismo nórdico. Gosto das coisas simples e limpas e também acabamos sempre por transmitir muito do que vivemos e de por onde passamos no nosso trabalho”, conta. Mas o minimalismo de que fala esconde um processo moroso e totalmente manual.

Tudo acontece no atelier que há vários meses montou dentro de casa. Dos pedaços de massa amorfa, as pequenas peças em porcelana vão ganhando forma. Ao todo, são submetidas a três cozeduras — só o forno é que é externo e exige idas periódicas a um outro atelier –, intercaladas com um período de secagem, polimento, esmalte e, por fim, ouro. Os restantes componentes, que podem ser em prata ou numa liga metálica, chegam já feitos de fornecedores espanhóis. O resultado final são brincos e fios, ora com material branco, ora com peças de porcelana negra, no caso da coleção Timanfaya.

Sofia Bártolo tem 31 anos e vive em Madrid. Há menos de um ano criou a Sömmer, uma marca de joias em ouro e porcelana © Divulgação

Sofia vende sobretudo online, mas têm sido as experiências pontuais de contacto direto com o público a fazer o negócio crescer. Começou pelo madrileno Mercado de Diseño e, em novembro do ano passado, esteve no Mercadito Blog da Carlota, em Lisboa. “Aqui, estou muito associada a este mercado de design, onde as pessoas vão já à procura de designers emergentes, de Madrid e de todo o país. No da Carlota, não estava nada à espera daquela aceitação por parte do público português. A maioria das pessoas dizia-me que, de facto, as peças eram muito diferentes do que já tinham visto”, conta a empresária. A Suécia e a Alemanha os outros dois mercados fortes.

Ouro e porcelana: a companhia de Sofia nos dias de isolamento

Aos 31 anos, Sofia enfrenta as rigorosas medidas de confinamento decretadas pelo governo espanhol. Fechada em casa, sem acesso ao forno de serviço, vale-se do stock de peças que acumulou antes de o surto atingir severamente o país. “Estava a contar com os mercados até maio e foram todos cancelados. Nesse ponto, foi um impacto brutal. No que toca às vendas online, estou a adaptar-me”, revela.

A rotina alterou-se, embora os dias de uma joalheira já fossem um tanto ou quanto solitários. Uma vez por semana, sai de casa para enviar peças a clientes pelo correio. Neste momento, a estratégia não passar por intensificar o apelo ao consumo, mas sim por aproximar a marca de quem, como Sofia, está entregue ao isolamento e excecionalmente disponível para conhecer a fundo o que o rodeia. A quarentena em Espanha pode te atrasado o lançamento da próxima coleção, mas a produção está em marcha. As paisagens campestres do sul de França e de Itália serviram-lhe de inspiração. A flora do campo levaram-na a desenvolver formas menos planas e a adicionar à fórmula laivos de cor.

No atelier montado em casa, Sofia Bártolo trabalha a porcelana, antes de esta entrar em três fornos distintos © Divulgação

Por estes dias, esforça-se por mostrar o atelier e o trabalho que lá desenvolve. “Nunca tinha publicado nada desse género até agora, mas quero mostrar que sou eu e que não é uma máquina, que algumas peças se partem e que é preciso começar de novo”, explica. Acredita noutras possibilidades para um negócio como este e remata com uma mensagem de esperança: “nem tudo o que é mau é assim tão mau”.

Nome: Sömmer
Data: 2019
Ponto de venda: loja online
Preços: dos 23 aos 48 euros