Nasceu em Lisboa, na freguesia de Santa Isabel, em 1942. Licenciou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 1970. A única exceção a uma vida radicada na capital entre muitas viagens fora do país foi o mestrado em Direito Desportivo, tirado na Universidade de Lérida. De resto, nos últimos 50 anos, Dias Ferreira esteve no seu mundo entre advocacia, dirigismo (ligado ao Sporting e não só) e demais participações na sociedade, algumas até de índole político. Com isso, criou rotinas. Rotinas que gosta de manter. Rotinas que agora mudaram.

Ex-dirigente do Sporting José Dias Ferreira está infetado com Covid-19 mas já “recupera bem”

Na sexta-feira, vai fazer 73 anos. Reuniões à parte, a vida de José Eugénio Dias Ferreira continuava a andar muito em torno da Rua Filipe Folque, onde reside e tem também o escritório Dias Ferreira & Associados – Sociedade de Advogados. Até nas paragens para almoços rápidos gosta de seguir os mesmos circuitos a não ser que obrigações profissionais obriguem a outro esquema. Já não vai ao Chagão onde passou tantos anos e conhecia já muitas das pessoas na mesa ao lado, fossem engenheiros da Engil ou médicos do Hospital Particular. Foi lá também que teve uma história que guarda e conta de forma recorrente quase que para recordar como as rivalidades podem ser mantidas no desporto de forma saudável e com uma dose de sentido de humor à mistura.

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“Tanto estavam lá sportinguistas como benfiquistas à hora de almoço, lá íamos aproveitando o almoço para nos metermos uns com os outros. Uma vez já tinha visto quem estavam nessa sala lá ao fundo e meti-me com eles: estava um benfiquista a puxar por mim, a dizer ‘Eh pá, você é que devia ser presidente do Sporting!’ e eu a brincar respondi-lhe ‘Mais depressa vou para presidente da Comissão Liquidatária do Benfica’. Nisto, levanta-se uma pessoa que estava a almoçar com o Joaquim Oliveira, levanta o dedo e diz a rir: ‘Olhe, para isso conte comigo para vogal!’. Quem era? O Pinto da Costa!”. Ainda hoje, quando recorda o episódio, ri-se com a coincidência.

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Nos últimos anos, passou a ir de forma fiel a outro restaurante ainda mais perto do escritório e de casa, logo ali na Rua Tomás Ribeiro. No último mês, deixou de ir. Aquilo que começou como um mero deixar de se sentir muito bem foi evoluindo. Foi diagnosticado com Covid-19 e teve mesmo de passar alguns dias internado. Mal deu entrada na unidade hospitalar, mudou de forma substancial. A alta foi passada no domingo, dia de Páscoa. Hoje mantém-se em casa, recuperado, com as tantas ou mais cautelas. Mas tão cedo não esquecerá as últimas três semanas. Nem ele nem a família, como um dos filhos, Carlos Dias Ferreira. Ambos contaram ao Observador esses dias.

[Ouça aqui a entrevista de José Eugénio Dias Ferreira à Rádio Observador]

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Os sintomas iniciais e o primeiro teste negativo

“Não tenho noção de como contraí o vírus, penso que infelizmente não é uma coisa fácil de evitar porque somos todos apanhados de surpresa e é uma situação complicada de evitar. Comecei por sentir que não estava bem comigo mesmo, muito febril. Fiz um primeiro teste que deu negativo”, conta Dias Ferreira na Rádio Observador. “Comecei logo a tomar precauções quando percebi o que estava em causa. Como o escritório é por baixo da minha casa fui ficando por aqui e como sou daquelas pessoas que trabalha muito em teletrabalho como agora se diz, fui ficando. Depois é que me fui sentindo cansado, aborrecido, com dores. Já devia estar infetado nessa altura”.

“Tive de ir acompanhando tudo à distância, porque parece que não mas já não vejo o meu pai há um mês. Já nessa fase, quando ainda ia ao escritório, estávamos a manter uma certa distância de precaução, nem beijinhos nem abraços no espaço de trabalho. Depois comecei a trabalhar em casa e a informação que ia tendo vinha dele e da mulher. Apesar de tudo estava relativamente descansado com o que diziam porque parecia ser uma gripe normal, a febre era 37 e qualquer coisa. Ele quis ir logo fazer o teste, deu negativo. Nunca vamos saber se foi negativo ou se era falso. Deu ainda assim para descansar mais um bocado”, recorda Carlos Dias Ferreira.

A persistência de sintomas, dois positivos e o telefone sem bateria

“A coisa não passou. Vim para casa mas fiz um segundo teste e esse já deu positivo. Passei uma noite no Hospital de Santa Maria, depois vim novamente para casa, estive uns dias em casa e numa sexta-feira, fez agora 10 ou 11 dias, pedi para ser internado na CUF porque precisava de outra assistência, em casa não estava a conseguir. Fui para a CUF e começou tudo a correr bem a partir daí”, diz o ex-dirigente sobre a data em que soube que estava infetado.

“Não estava melhor, sentia dores abdominais e foi fazer todos os exames porque podia ser qualquer coisa. Havia sinais relacionados, um quadro de pneumonia atípica. Ele nessas coisas não precisa que ninguém lhe diga nada, é o primeiro a tomar iniciativa para ver o que se passa. Podia ser outra coisa. Deu positivo no teste que fez na CUF e deu positivo no teste que fez em Santa Maria. Foi no dia 27. Passou lá o dia inteiro, saiu já passava das três da manhã. Ainda falei um bocado com ele à tarde, pouco porque estava quase sem bateria e ficou mesmo sem carga porque naquela zona onde estavam não podiam entrar carregadores. Nesse dia fui também buscar o meu irmão ao aeroporto, todo ‘equipado’ com máscara, que estava de férias na Austrália, viu três vezes cancelada a viagem de regresso e lá conseguiu vir por Malásia e Londres para voltar. Só às três e tal é que soubemos que estava em casa porque estava sem bateria…”, recorda Carlos Dias Ferreira.

Dias Ferreira com Carlos Dias Ferreira, na SIC, onde passou como comentador e voltou como entrevistado em debates entre candidatos à presidência do Sporting (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

A recuperação em casa que só “resultou” após internamento

“Vim para casa medicado e sabendo do teste positivo mas não estava melhor até que fui a uma consulta e foi aí que entenderam que devia ficar internado. Desde que entrei na CUF para ser assistido, fui muito bem assistido. Aliás, aproveito até para agradecer todos os serviços que tiveram comigo. De uma hora para a outra tudo melhorou, senti-me melhor e para mim a Páscoa até chegou mais cedo porque entrei ali em grande estado de sofrimento e depois de ser tratado quase que ressuscitei para a vida. Depois foi sempre a melhorar, fui muito bem tratado mesmo”, frisa José Eugénio Dias Ferreira, a propósito dos dias que mediaram o internamento e alta no passado domingo.

“Ele tomava uma medicação mais forte quando veio para casa mas percebia que não estava bem. Continuava sem dormir nada, sempre a revelar muito desconforto, não comia nada. Como não sentia nenhuma evolução positiva, voltou a ir à CUF. Aí, claro estávamos um pouco mais preocupados. Em consonância com o médico, entenderam que o melhor era ficar internado. No dia a seguir, falei com ele e já parecia outro, apesar de continuar a não querer ver muita televisão por todas as notícias que iam passando”, recorda o filho.

As mensagens ao longo dos dez dias de internamento

“Recebi tantas mensagens e a conclusão é que valeu a pena. Faço 40 anos em 2020 de andar aqui no meio do futebol. Não gostaria de conhecer as coisas assim como conheci mas, sendo desta forma, vi que o futebol tem muita coisa boa, traz muitas amizades, pessoas que às vezes nem nos lembramos… Mais de metade da cura é sentir o apoio e a solidariedade dessas pessoas. Foi muito importante, alguns há uns anos nem os vejo e telefonam, mandam mensagem, é extraordinário. Tive provas disso de muitas pessoas, incluindo um telefonema muito simpático do nosso Presidente da República, que foi meu colega de faculdade. É um bálsamo muito grande saber que há quem se lembre de nós”, confidencia o advogado, que se emocionou com algumas dessas chamadas.

“Quando sentimos como estava no dia a seguir, tudo foi diferente porque parecia outro. Nesse dia até fizemos uma videochamada, pela voz e pela cara notava-se isso. Tinha dormido muito, o corpo descansou. Quando estava em casa nem agarrava muito no telefone, a partir daí foi fazendo mais chamadas e videochamadas, passou a ter um contacto mais direto. O meu irmão também fazia umas videochamadas com os gémeos, que têm um ano e pouco, e isso também o ia animando. Fui recebendo mesmo muitas mensagens, de tias até, que não o queriam massacrar. Muitas mensagens, conversas no WhatsApp e no Messenger. Desde que se tornou público houve uma propagação de comunicações muito rápida e não quis deixar de responder, também para não sobrecarregar o meu pai com isso, porque até o falar desgasta”, relembra Carlos Dias Ferreira.

Dias Ferreira, que faz esta sexta-feira 73 anos, continua a repousar em casa após ter saído da CUF no domingo (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

A alta em dia de Páscoa e a vida daqui para a frente

“Estou desde domingo em casa, fiz um teste que deu negativo na sexta-feira, outro negativo no sábado e tive alta no domingo, deram-me alta definitivamente. Os resultados vieram relativamente rápidos. Devo manter o descanso, continuar a fazer uma vida reservada, o confinamento. Tratar-me bem, comer bem e descansar porque não é fácil e tenho de recuperar. Foram dias dolorosos e é preciso ter cuidado. Digo isso a toda a gente, que não facilitem porque o vírus não está cá para facilitar. Depois de ter estado no hospital, estar em casa é uma maravilha, um sonho, um paraíso. Vai dar para pôr as ideias, pensar, ver as notícias. Espero que tudo melhore porque foi uma coisa que ninguém esperava e que mostra a nossa fragilidade humana, dar grande alento. Se a minha vida vai mudar? Não sei se vai mudar mas vamos demorar muito tempo para sair disto, vai ser muito difícil. Precisamos ter esperança e perseverança para sair disto”, conclui Dias Ferreira, deixando uma palavra de alento a todos os profissionais.

“Ganhou mais ânimo, sentiu-se mais confortável e também nós ficámos mais confortáveis com isso. O primeiro teste negativo deu um novo alento, o segundo confirmou o negativo e no final da manhã do dia de Páscoa estava a ir para casa. Por acaso ligou nesse dia para o meu irmão e como somos vizinhos já estávamos juntos nesse dia. Já foi uma videochamada num cenário diferente. Acabámos por fazer uma Páscoa virtual por ligação Zoom, também com a minha tia [Manuela Ferreira Leite] que tem estado em casa e faz lá o seu comentário na TV. Custa a todos, ainda por cima com netos, mas agora está tudo bem com o meu pai, vai melhorar… Se vai mudar alguma coisa nele? Admito que possa fazer refletir, pensar um bocado nas coisas, mas na sua maneira de ser nada. Vai mudar em todos no dia a dia, na forma como lidamos com o dia a dia, porque enquanto tivermos esta espada em cima de podermos ficar infetados ou poder haver uma segunda vaga, vai ser assim”, remata o filho.