Sem arriscar uma data para o regresso à normalidade, o primeiro-ministro admitiu em entrevista à Rádio Observador que antes de maio não haverá espaço para alívio de restrições. Em todo o caso, qualquer “alívio das medidas aumenta risco de contágio”. António Costa não quis entrar em “adivinhação”, mas admitiu que retoma das atividades será “gradual e progressiva” e vai depender das regiões do país e da idade da população. Idosos poderão ter de se manter resguardados até ao fim do ano, como defendeu a presidente da Comissão Europeia. Costa deu o exemplo da sua própria mãe e rejeitou a ideia de “guetização”.

O país a “múltiplas velocidades” é uma realidade em cima da mesa para o período do regresso à normalidade, com António Costa a admitir que teremos de conviver com o vírus durante mais um ano, num equilíbrio que terá de ser feito entre o regresso das atividades económicas e evitar o aumento descontrolado dos contágios. Sobre a eventual nacionalização de empresas como a TAP, Costa não rejeita e até dá a entender que essa possibilidade está em cima da mesa, dada a “importância” estratégica da empresa de aviação.

Sobre a substituição de Mário Centeno nas Finanças, Costa chutou para canto, afirmando que não é tempo de falar de questões “políticas”, mas deixou elogios ao secretário de Estado Ricardo Mourinho Félix, que tem sido o rosto de Portugal na pasta das Finanças enquanto Centeno está no Eurogrupo.

Veja aqui os principais momentos da entrevista à Rádio Observador, emitida esta manhã pelas 9h:

Costa admite país a “múltiplas velocidades”. Levantamento de restrições pode ser feito em função da região e idade da população

Há uma data na sua cabeça para começar esta retirada gradual de medidas? “A generalidade das atividades não foram encerradas, desde que se mantenham em teletrabalho. Sobre as escolas o calendário está defendido, eu não tenho escondido que gostaríamos que as aulas presenciais no secundário deviam começar o mais cedo possível a partir de 4 de maio, porque menos afetaria o processo educativo”, diz.

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“Os políticos devem ter o cuidado de evitar que a sua vontade se sobreponha ao conhecimento da ciência”, diz ainda, remetendo para as recomendações de hoje da Comissão Europeia. “Conforme formos levantando as medidas, o risco de contaminação aumenta”, diz, dando a entender que não podemos sujeitar-nos a que haja um descontrolo. Costa diz que há quem defenda que entre o levantamento de uma medida e de outra deve haver um espaço de um mês.

Medidas de restrição mais exigentes para idosos. “Não se trata de guetizar, trata-se de proteger”

Questionado sobre uma entrevista recente da presidente da Comissão Europeia, onde defendeu que os idosos poderão ter de ficar resguardados até ao fim do ano, Costa não excluiu essa possibilidade. “É evidente que os mais idosos são o grupo de maior risco e o grupo daqueles que sendo atingidos pela doença, mais grau de consequências sofrem. Basta comparar a taxa de letalidade dos maiores de 70 e 80 anos (…) Isso significa, obviamente, que vamos ter de manter as medidas de contenção e distanciamento até podermos viver em total segurança com o vírus, e isso só acontecerá quando houver uma vacina ou tratamento, é evidente que vamos ter de manter essas restrições e elas serão mais exigentes para quem tiver maior risco”, disse.

António Costa: “Quando começarmos a retirar medidas, o nível de contágio vai de novo aumentar”

Costa rejeita “guetos” e dá exemplo da mãe. “A minha mãe foi sempre a pessoa mais indisciplinada que eu alguma vez conheci, e sempre amante da liberdade, e tem sido agora a pessoa mais disciplinada porque diz que está ali a ganhar anos de vida. Não está num gueto, está a ganhar anos de vida. E nós temos um dever especial de proteger os nossos idosos se queremos ser uma sociedade decente. Não se trata de guetizar, trata-se de proteger”, afirma.

Limites à circulação vão manter-se até final de abril

O Governo só se deve pronunciar sobre renovação do estado de emergência depois de o PR se pronunciar, nota o primeiro-ministro. “Eu diria que haverá algumas restrições institucionais em matéria de direitos coletivos dos trabalhadores que serão eliminadas, mas sobre as limitações à circulação e ao limite de atividades não creio que vá haver alterações”, anuncia.

“Planeiem as férias de verão cá dentro”

Sobre férias de verão, Costa confia que será possível gozá-las mas não devem ser marcadas já, nem para locais distantes para que as pessoas não sejam surpreendidas com cancelamento de voos ou encerramento de fronteiras.

“Até ao verão a situação deverá estar minimamente controlada para podermos ter as férias e para as podermos gozar”, diz. Um conselho: “Planeiem as férias cá dentro”.

António Costa: “Esperem mais umas semanas, mas não deixem de pensar nas férias de Verão”

“No próximo ano letivo temos de estar preparados para esta situação sem termos de improvisar como agora”

Sobre tudo estar a tempo e horas no próximo ano letivo, nomeadamente a garantia de redes e equipamentos para quem não tem hoje acesso, Costa diz que esse é o objetivo: “Temos de trabalhar para isso, é esse o objetivo que nos propusemos, estamos a trabalhar com as operadoras e as indústrias”, diz Costa, admitindo que o reforço da cobertura mais robusta da TDT estava previsto, foi apenas antecipado.

“O avanço para a transição digital é sempre necessário, não me peça agora adivinhação sobre o que vai ser o próximo ano letivo. Temos de olhar desejando o melhor, mas preparando-nos sempre para o pior. Temos de estar no próximo ano letivo preparados para responder a uma questão como esta mais prolongada mas sem termos de improvisar, como agora. Há equipamentos de proteção individual, não podemos estar um ano inteiro confinados em casa, mas também temos estes equipamentos digitais porque pode haver picos. Nessas situações temos de ter uma rede de segurança para continuar a funcionar”, diz.

“Não podemos excluir a necessidade de nacionalizar a TAP, porque não podemos correr o risco de a perder”

Sobre possibilidade de nacionalização de algumas empresas, Costa, à semelhança de Mário Centeno, admite que esse instrumento não deve ser excluído.

Mas hipótese está em cima da mesa? Está: “Relativamente à TAP, onde o Estado já é acionista, todos sabemos que o setor da aviação sofreu de forma devastadora esta crise, sabemos já que havia alguma vontade dos acionistas em puderem alienar as suas posições, e é uma empresa estratégica para o país…”.

“A TAP é fundamental”, diz, sublinhando que tem assegurado a circulação entre o continente e as regiões autónomas para garantir a liberdade constitucional. “Adquirimos uma posição de 50% no primeiro ano do meu governo, os privados já tinham manifestado o seu interesse em alienar, neste momento seguramente não há nenhuma companhia aérea a pensar em novos investimentos, por isso nesse quadro não podemos excluir a necessidade de nacionalizar a TAP, ou outra empresa fundamental para o país, porque não podemos correr o risco de a perder”, diz.

“Sem tanques em cada esquina as pessoas têm cumprido”. O início da entrevista a António Costa

“Medidas de austeridade e de asfixia seriam contraproducentes”

Sobre a austeridade que se poderá seguir, Costa insiste que se “a crise deste ano é diferente a terapia também tem de ser diferente”. “Temos de fazer tudo para que seja um episódio conjuntural que não crie danos estruturais na nossa economia e nas nossas finanças. Proteger as empresas, empregos e rendimentos é fundamental para que todos estejamos nas melhores condições possíveis para podermos relançar a economia. Se começarmos a cortar rendimentos, os restaurantes podem reabrir mas deixam de ter clientes porque não têm dinheiro”.

Questionado sobre se não haverá cortes salariais independentemente de tudo, Costa não se compromete. “Tudo o que seja medidas de asfixia dos trabalhadores, empresas e famílias será mau para o futuro”, diz apenas. “É muito importante que se faça o que o Eurogrupo abriu a porta que é começar a trabalhar num programa de relançamento da economia, porque é a forma de agir sobre a oferta e a procura sem a estar a asfixiar. Todas as medidas de austeridade seriam contraproducentes para a retoma”, diz, afirmando que não faz sentido agora falar em austeridade.

Novo aeroporto é para manter. “O calendário de investimento é para manter como previsto”

Sobre o novo aeroporto internacional, Costa defende que investimento não deve parar. “O novo aeroporto internacional será sempre necessário, espero que o investimento se mantenha de acordo com o previsto no calendário. Têm de ser criadas as condições para que esse investimento seja possível de realizar. Ganhámos tempo, relativamente ao atraso que tínhamos”, diz.

“Os contactos que tenho tido com a ANA são no sentido de que é manter o calendário de investimento como previsto e nós vamos mantendo os diálogos que tínhamos com as câmaras municipais, sobretudo com a da Moita, para mitigar os efeitos ambientais”, acrescenta.

Substituição do ministro das Finanças? “Não há nenhum cargo político que não seja a prazo”

Sobre o ministro das Finanças e presidente do Eurogrupo, Costa diz que é uma sorte o Eurogrupo ter um presidente como Mário Centeno nesta fase. “Quem tem de expressar a voz de Portugal e o ponto de vista de Portugal sem ter condições de arbitragem é quem representa Portugal nestas reuniões que é o secretário de Estado Ricardo Mourinho Félix”, diz.

Questionado sobre a eventual substituição do ministro das Finanças no verão, como estava pensado, Costa diz que essa hipótese “apenas se dizia”. “Tal como se dizia, pode-se continuar a dizer. Tal como não estava garantido que fosse, continua a não estar garantido”, diz Costa esquivando-se a falar sobre a substituição de Centeno nas Finanças.

“Os contactos [para a substituição do governador do Banco de Portugal] serão feitos no tempo próprio. Devemos respeitar o mandato do atual governador até ao final”, diz ainda, sublinhando o papel importante do governador nesta fase.

“Não há nenhum cargo político que não seja a prazo. As pessoas não são ministros, estão no exercício dessas funções. Não vale a pena especular sobre o futuro dos ministros ou sobre o meu próprio futuro”, atira. Questionado sobre se o mandato do governador do Banco de Portugal pode ser prolongado, Costa também não rejeita, mas defende manutenção ao máximo da “normalidade institucional”.