A generalidade da indústria de Ovar foi autorizada a retomar a laboração esta terça-feira, mas, se há empresas que conseguiram fazê-lo, outras mantêm-se fechadas por não poderem recorrer a trabalhadores externos ao concelho nem a maiores de 60 anos.

Em causa estão os termos do Despacho N.º4394-C/2020, relativo ao concelho do distrito de Aveiro que, desde 17 de março, está em estado de calamidade pública devido à Covid-19 e que no dia seguinte ficou sujeito a cerco sanitário com controlo de fronteiras.

O diploma determina que as fábricas locais só podem reiniciar atividade recorrendo a um terço do seu número habitual de trabalhadores – devendo esses residir em Ovar, não ultrapassar os 60 anos e não estar sujeitos ao “dever especial de cuidado” a que obriga a nova doença.

Uma das empresas viáveis e agora novamente em atividade é a Cavan S.A., que, fabricando postes e torres para condução de eletricidade, podia ter recorrido ao caráter de exceção previsto na lei para produtores de bens de primeira-necessidade, mas encerrou a empresa no primeiro dia do cerco profilático por uma questão de “prevenção e responsabilidade”, assegurando entretanto o salário completo dos seus 21 funcionários.

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É uma opção que resulta de 90 anos de experiência. A empresa entendeu que, por uma questão humana, não devia recorrer ao ‘lay-off'”, declara à Lusa o responsável pelo departamento administrativo da Cavan, Carlos Carvalho.

Cerca de metade do pessoal esteve em regime de teletrabalho desde o início da pandemia, assegurando, por exemplo, a expedição de produto nas datas especificamente instituídas para o efeito no âmbito da quarentena geográfica imposta a Ovar, e sete trabalhadores retomaram esta amanhã as suas funções operacionais, envergando máscara e usando as luvas que já antes eram obrigatórias na unidade.

Há álcool-gel devidamente distribuído por todas as zonas de passagem ou concentração de pessoas, e, em termos de distanciamento físico, o trabalho é sobretudo ao ar livre, portanto isso também está acautelado”, revela Carlos Carvalho.

Esse responsável espera, contudo, que esta sexta-feira seja levantado o cerco profilático que começou por ter tanto de “assustador” como de “útil”, dado que, face ao número de infetados já confirmados em Ovar no início de março, “sem isolamento domiciliário, a situação ia descontrolar-se e, sem fecho de fronteiras, o problema também se alastraria” aos concelhos vizinhos.

“Mas, agora já não faz sentido. A economia local não pode ficar mais tempo parada. O dualismo de critérios e os jogos de política não ajudam, ao criarem exceções para umas empresas e prolongarem o fecho para outras, e, embora a Cavan consiga superar esta fase, não é provável que outras empresas o façam, com tudo o que isso implica de despedimento de trabalhadores”, avalia.

Fernando Oliveira é um dos empresários que se reconhece numa situação “muito complicada”. Sócio-gerente da Soma, que se dedica ao fabrico e reparação de viaturas para serviços de limpeza, já aplicou aos seus 17 funcionários diretos a suspensão temporária dos contratos ou horários de trabalho, e diz que hoje não pôde reabrir portas, dada a incapacidade de satisfazer as condições impostas por lei para o reinício de atividade na indústria de Ovar.

Para a produção só vinham três trabalhadores e, desses, um tem mais de 70 anos e o outro não é de Ovar. Como só ficava um a trabalhar, não dá”, argumenta o empresário, que descreve a Soma como “a única fabricante em Portugal” de equipamento como varredoras mecânicas, camiões de recolha de resíduos, etc”.

Fernando Oliveira considera que as condições impostas por lei para reinício da atividade industrial local são “algo exageradas” e deviam atender mais “à situação concreta de cada unidade”, até porque, na Soma, já antes do cerco tinham sido implementadas medidas como a redefinição de equipas de forma a incluírem apenas duas pessoas, para maior contenção do risco de contágio a terceiros, e a reorganização dos refeitórios de modo a assegurar-se mais espaço e diferentes horários às refeições.

O problema é que os nossos clientes não têm nas suas empresas as condições de reparação destes veículos que nós aqui temos e, a certa altura, tivemos que contactar parceiros na Europa para serem eles a mandar-lhes as peças de que precisavam, porque as nossas não podiam sair daqui”, explica.

Admitindo que o fecho da Soma também está a prejudicar várias empresas que essa usualmente subcontrata, Fernando Oliveira espera “que o cerco seja levantado esta sexta-feira”, caso contrário “vai-se destruir ainda mais, o que, por natureza, já ficou arruinado com esta pausa”. Garantindo que “é possível conciliar as regras de segurança sanitária com a laboração”, o empresário insiste: “Não se pode parar a economia, porque nenhum país sobrevive sem isso”.

Contactado pela Lusa, o presidente da Câmara Municipal de Ovar, Salvador Malheiro, não reagiu.

Segunda-feira à noite, a autarquia indicava um total de 22 óbitos e 578 infetados por Covid-19 entre os seus cerca de 55.400 habitantes. Esta terça-feira às 9h, a Direção-Geral da Saúde referia para o mesmo território apenas 416 contaminados.

O novo coronavírus responsável pela presente pandemia de Covid-19 foi detetado na China em dezembro de 2019 e já infetou quase 1,9 milhões de pessoas em todo o mundo, das quais mais de 117 mil morreram. Ainda nesse universo de doentes, cerca de 402 mil estão dados como recuperados.

Em Portugal, onde os primeiros casos confirmados foram registados no dia 02 de março, o último balanço da Direção-Geral da Saúde indicava 535 óbitos entre 16.934 infeções confirmadas. Desse universo de doentes, 1.187 estão internados em hospitais, 277 recuperaram e os restantes convalescem em casa ou noutras instituições.

A 17 de março, o Governo declarou o estado de calamidade pública no concelho de Ovar, que no dia seguinte ficou sujeito a cerco sanitário com controlo de entradas e saídas no concelho, e encerramento de toda a atividade empresarial que não envolva bens de primeira-necessidade. Esta terça-feira passam a laborar outras indústrias, mediante planos de contingência específicos.

A 19 de março, também foi decretado o estado de emergência para todo o país e, tal como a quarentena em Ovar, esse vigora até às 23h59 da próxima sexta-feira.