Há menos de um mês, Putin irradiava confiança sobre a resposta que o seu governo estava a dar à crescente crise global causada pelo novo coronavírus, tranquilizando os seus cidadãos ao afirmar que a situação na Rússia estava “sob controle” graças a medidas de intervenção precoce. Agora, porém, o cenário é outro. Nos últimos três dias, o número de novos casos registados tem vindo a aumentar a grande ritmo: na segunda-feira foram 2558, terça-feira 2774 e agora, nesta quarta, houve 3388 (um aumento de 16% que eleva o total de infetados para 24 490), conta o The Guardian. Mantendo-se este ritmo, o número de infetados poderá dobrar a cada cinco dias. Já morreram 198 pessoas.

Numa videoconferência realizada esta segunda-feira Putin já admitia que a situação estava a piorar e que existiam “muitos problemas”. “Não há nada para se vangloriar e não devemos baixar a guarda porque, em geral, ainda não superamos o pico da epidemia”, explicou. Ainda que comparativamente com os EUA, por exemplo, a Rússia tenha poucos casos, o crescimento diário tem levantado grandes preocupações — e críticas.

Para Putin, a Rússia tem o coronavírus “sob controlo”. Terá mesmo?

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Vladimir Putin começa a ser seriamente criticado pela forma como esta a lidar com a crise. A CNN cita um ensaio recente, Tatiana Stanovaya, do Carnegie Moscow Center, que explicou que a “ausência” do líder russo está a ser o principal problema identificado pelos seus críticos: “Ele dirigiu-se apenas duas vezes à nação, foi ao hospital [dedicado ao coronavírus] em Kommunarka, mas não deu as próprias avaliações da crise nem propôs um plano de ação, limitou-se a falar de medidas dispersas e a palavras soltas. Sem drama, empatia ou vontade de mobilizar .” Na opinião desta ensaista, Putin não deseja ser associado a medidas duras ou impopulares, deixando essas tarefas para os subordinados locais.

Quem tem sido a imagem da luta contra a Covid-19 é Sergey Sbyanin, o autarca de Moscovo que tem encabeçado a promoção das restrições mais pesadas. A capital russa foi a mais atingida pelo vírus, sendo que cerca de metade dos casos totais do país estão concentrados na área metropolitana da cidade. Foi Sobyanin que assumiu a imposição de uma das medidas de combate à Covid-19, um controverso sistema de rastreamento digital pensado para manter as pessoas em casa.

O primeiro teste falhado do sistema de rastreamento

Foi nesta quarta-feira que se estreou o tal sistema de rastreamento feito através de QR Code e o resultado não podia ser pior. Pelo Twitter começaram a chegar vários relatos de multidões e longas filas que se foram formando no metro de Moscovo porque as autoridades passaram a ter de controlar, uma a um, todos os códigos pessoais — o tal QR Code diz se uma pessoa tem ou não permissão para estar a circular.

Estes documentos de permissão de circulação passaram a ser obrigatórios esta quarta-feira não só para utilizadores de transportes públicos mas também para motoristas e passageiros de táxis, por exemplo. A procura por estes formulários disparou de tal forma que já foram emitidas pelo menos 3,2 milhões destas autorizações. Uma das principais críticas que tem sido apontada a este sistema é o facto de ele criar potenciais focos de infeção, não só por causa de exemplos como os de hoje, no metro da capital russa, mas também pelo que se verificou hoje também nas estradas que dão acesso a Moscovo: grandes congestionamentos de trânsito foram reportados porque a polícia passou a ter de controlar todos os carros, para ver se os seus condutores e passageiros têm os tais passes obrigatórios. Fala-se em tempos de espera de mais de uma hora. 

Entretanto, Sergei Sobyanin já se pronunciou sobre esta realidade e culpou a polícia pelos constrangimentos: “Falei com o chefe do departamento de polícia e pedi que organizassem melhor o seu trabalho para que novas verificações não levassem a uma reunião em massa de pessoas”, afirmou.

A exportação para a China

Um recente surto na China também está a dar algumas pistas sobre a gravidade da situação na Rússia. Segundo a CNN, autoridades de saúde em Xangai relataram um aumento nos casos importados e conseguiram rastrear e perceber que dezenas deles vieram de um único voo que chegou a essa cidade vindo de Moscovo a 10 de abril. Há relatos também de um foco de infeção na cidade de Suifenhe, na fronteira com o extremo oriente da Rússia, que especialistas suspeitam ser atribuível a cidadãos chineses que regressaram de território russo.

Na terça-feira, porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, não deu informações sobre estes casos exportados para a China, atitude que levantou ainda mais suspeitas sobre a real transparência dos dados cedidos pela Federação Russa. O governo russo diz ter realizado mais de 1,4 milhões de testes para a Covid-19 mas os médicos de Moscovo, por exemplo, começaram recentemente a diagnosticar pacientes como positivos com base em exames de pulmão, isto por causa das grandes dúvidas levantadas sobre a precisão dos tais testes.

Na mesma videoconferência de segunda-feira, Putin afirmou que as próximas semanas serão críticas para determinar se a Rússia é capaz de aplanar a curva com eficiência e, com isso, reduzir a propagação do novo coronavírus. É por isso provável que comecem a ser anunciadas novas medidas de contenção, isto porque até foi o próprio líder russo a dizer, por exemplo, que os militares “podem e devem ser destacados, se necessário”.