O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, enviou esta quarta-feira para a Assembleia da República o documento que prevê a segunda renovação do estado de emergência, divulgou o chefe de Estado no site da presidência. Este novo decreto já abre portas ao Governo para iniciar a reabertura gradual, faseada e alternada de alguns serviços, empresas e estabelecimentos, mas apenas se os dados científicos sobre a curva portuguesa forem sustentados, se o SNS estiver capacitado, e se a realização de testes for “robusta”. Marcelo permite também que o Governo diferencie as restrições às deslocações em função da idade e da região do país. Novo estado de emergência dura até 2 de maio.

“Em função da evolução dos dados e considerada a experiência noutros países europeus, prevê-se agora a possibilidade de futura reativação gradual, faseada, alternada e diferenciada de serviços, empresas e estabelecimentos, com eventuais aberturas com horários de funcionamento adaptados, por sectores de atividade, por dimensão da empresa em termos de emprego, da área do estabelecimento comercial ou da sua localização geográfica, com a adequada monitorização”, lê-se no projeto de decreto presidencial.

Ou seja, com esta renovação do estado de emergência a vigorar até 2 de maio, Marcelo permite que o Governo possa começar já a pensar em reabrir alguns serviços (possivelmente entre o fim de abril e o início de maio) desde que seja em “horários de funcionamento adaptados”. E desde que seja feita uma diferenciação em função da dimensão da empresa, do local onde se insere e do setor de atividade. A reabertura não será, portanto, ao mesmo tempo para todos os serviços e empresas.

Ainda assim, Marcelo diz que esta futura reativação dos serviços só será possível se houver uma convergência de fatores. São eles: se os dados epidemiológicos continuarem a mostrar uma descida dos níveis de propagação do vírus, se o SNS continuar a conseguir dar resposta aos doentes, se houver um aumento do número de testes realizados e se a monitorização for conveniente.

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“Para que tal seja possível, é necessário, nomeadamente, como definido pela União Europeia, que os dados epidemiológicos continuem a demonstrar uma diminuição da propagação do vírus, que a capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde continue a estar assegurada e que a capacidade de testes seja robusta e a monitorização conveniente”, lê-se no projeto de decreto.

Marcelo permite restrições diferenciadas em função da idade e locais de residência

Na suspensão do direito à deslocação, Marcelo aligeira o tom, face ao decreto de renovação do estado de emergência que assinou há duas semanas. Desta vez, em vez de decretar que podem ser impostas pelas autoridades públicas competentes as restrições necessárias para reduzir o risco de contágio, decreta agora que podem ser impostas pelas autoridades as restrições “simétricas ou assimétricas, designadamente em relação a pessoas e grupos etários ou locais de residência, que, sem cariz discriminatório, sejam adequadas à situação epidemiológica e justificadas pela necessidade de reduzir o risco de contágio”.

Ou seja, o Presidente da República permite que o Governo possa vir a restringir a circulação das pessoas de forma diferenciada em função da idade e dos locais de residência onde se inserem, o que dá a entender que, no limite, apenas a população mais velha e inserida no chamado grupo de risco poderá ter de ficar confinada mais tempo. O decreto, contudo, não é claro sobre isto, nem sobre a data em que estas alterações vão poder ser realizadas, uma vez que cabe ao Governo dar esses passos.

Este alívio gradual em função da faixa etária e da região do país já tinha sido admitido pelo primeiro-ministro em entrevista ao Observador, que pode ler e ouvir aqui. É certo, e António Costa já o tem dito, que a maior ou menor abrangência do decreto presidencial, que define as balizas de atuação do Governo, tem sido sempre concertada a dois, em estreita colaboração entre o Presidente da República e o primeiro-ministro.

O resto, fica igual: O Governo continua a poder decretar o confinamento compulsivo no domicílio (acrescentando-se agora a possibilidade de ser também noutros locais definidos pelas autoridades), assim como a poder estabelecer cercas sanitárias e a impedir as deslocações e a permanência na via pública desde que os motivos não sejam o de trabalho, obtenção de cuidados de saúde, abastecimento de bens essenciais ou assistência a terceiros.

Também no que diz respeito à suspensão dos direitos de circulação internacional, de reunião e de manifestação, de liberdade de culto (na dimensão coletiva), ou de aprender e ensinar mantém-se tudo igual. Ou seja, Marcelo continua a permitir que o Governo impeça grandes ajuntamentos de pessoas, que mantenha o controlo apertado de fronteiras, que impeça as viagens internacionais, que impeça ajuntamentos em igrejas e outros locais de culto e, além disto, o Governo continua a poder manter as escolas fechadas e o ensino a ser lecionado à distância (via televisão e internet). Os exames continuam a poder ser adiados ou suspensos e o modelo de acesso ao ensino superior continua a poder ser ajustado. Neste ponto, nada muda.

1 de Maio não vai ser como a Páscoa. Direito à greve mantém-se suspenso, mas direitos dos trabalhadores repostos (com limitações)

É também no campo dos direitos dos trabalhadores que há algum alívio nas restrições. Com os olhos na celebração do dia 1 de Maio, dia do Trabalhador, que calha numa sexta-feira (logo, fim de semana prolongado), Marcelo deixa claro que não vai acontecer o mesmo do que aconteceu no fim de semana da Páscoa, onde as restrições foram intensificadas ao máximo.

Assim, o Presidente da República não impede a celebração daquele dia, permitindo apenas que seja celebrado à luz das limitações já existentes à circulação e à impossibilidade de haver ajuntamentos.

“Tendo em consideração que no final do novo período se comemora o Dia do Trabalhador, as limitações ao direito de deslocação deverão ser aplicadas de modo a permitir tal comemoração, embora com os limites de saúde pública previstos no artigo 4º, alínea e) do presente Decreto”. Ou seja, Marcelo abre portas a que se celebre o dia do Trabalhador no dia 1 de Maio (que fica no espectro temporal desta renovação do estado de emergência, que dura até 2 de maio), mas com as mesmas limitações quanto ao direito de deslocação e ao direito de reunião e de manifestação que já estavam previstas até aqui.

Ou seja, uma vez que fica suspenso o direito constitucional de reunião e de manifestação, “podem ser impostas pelas autoridades públicas competentes as restrições necessárias para reduzir o risco de contágio e executar as medidas de prevenção e combate à epidemia, incluindo a limitação ou proibição de realização de reuniões ou manifestações que, pelo número de pessoas envolvidas, potenciem a transmissão do novo coronavírus”.

Quanto ao resto, o Presidente da República devolve às comissões de trabalhadores, sindicatos e patrões, o direito de participarem na elaboração das leis laborais — direito que há duas semanas foi suspenso. Assim, se há duas semanas Marcelo tinha permitido que o Governo agisse sozinho nas alterações necessárias às leis laborais, sem ter de passar pelo crivo dos patrões, sindicatos e comissões de trabalhadores, agora, devolve-lhes em parte esse direito, mas com limitações. Tudo para que o diálogo com sindicatos e patrões não seja motivo de demora ou impedimento na implementação de medidas urgentes para ajudar trabalhadores e empresas nesta fase de crise.

“O direito das comissões de trabalhadores, associações sindicais e associações de empregadores de participação na elaboração da legislação do trabalho, na medida em que o exercício de tal direito possa representar demora na entrada em vigor de medidas legislativas urgentes para os efeitos previstos neste Decreto, pode ser limitada nos prazos e condições de consulta”, lê-se. Ou seja, não suspende o direito (como antes tinha feito), mas atribui-lhe limitações.

Quanto à suspensão do direito à greve, mantém-se tudo igual: fica suspenso o exercício do direito à greve.