Um dos melhores, mais inteligentes e mais ecléticos atores da sua geração, Filipe Duarte deixou, no cinema, um punhado de papéis marcantes pela sua radical diversidade, pelo rigor da composição dramática e pela preocupação de nunca se repetir nem cair na tipificação, desde o do homossexual suicida que reencontra a vontade de viver junto da família de “A Outra Margem”, ao alto quadro público tomado pelo desnorte existencial de “A Vida Invisível” , passando pelo desempregado à beira do colapso pessoal e familiar de “Entre os Dedos”. Sem esquecer o seu mais destacado trabalho televisivo, no protagonista da série “Equador”.
“A Outra Margem”
De Luís Filipe Rocha (2007)
Num dos seus primeiros papéis de mais destaque, no primeiro de dois filmes que faria sob a direção de Luís Filipe Rocha, Filipe Duarte interpreta aqui Ricardo, um gay que trabalha como transformista num bar lisboeta. Quando o seu amante se mata, Ricardo tenta também sucidar-se, mas falha. Esse falhanço vai conduzi-lo a Amarante, onde nasceu, a voltar a estabelecer laços com a família e a conhecer o sobrinho, que tem Síndrome de Down. É um papel difícil numa história de renascimento individual, em que Filipe Duarte é tão sóbrio como convincente.
“Entre os Dedos”
De Tiago Guedes e Frederico Serra (2008)
Filipe Duarte tinha já aparecido na longa-metragem de estreia de Tiago Guedes e Frederico Serra, “Coisa Ruim”, uma história de terror, e tem o principal papel em “Entre os Dedos”. Ele é Paulo, um homem que se vê sem emprego na sequência de uma denúncia que fez sobre as ilegalidades na obra em que trabalhava. A queda no desemprego vai contribuir para a deterioração das suas relações com a mulher e para o mau ambiente em casa. A interpretação naturalista de Filipe Duarte dá o mote para este filme sombrio com personagens à beira do colapso.
“Equador”
De vários realizadores (2008)
Dos vários trabalhos televisivos do ator, este é talvez o melhor de todos, uma rara aposta de uma estação televisiva na adaptação de um “best-seller” contemporâneo (da autoria de Miguel Sousa Tavares), que combina a recriação de um período histórico nacional (os primeiros anos do século XX em ambiência colonial) com uma intensa componente romanesca. Filipe Duarte personifica o herói da história, Luís Bernardo Valença, um jovem empresário que o Rei D. Carlos convida para ser governador de São Tomé e Príncipe. Assistimos à sua mudança ao longo da história, conforme ele vai sendo afetado pelas situações sociais, humanas e sentimentais com que se confronta, com o ator a mostrar como se dá substância cinematográfica a um papel televisivo.
“A Vida Invisível”
De Vítor Gonçalves (2013)
Hugo (Filipe Duarte) trabalha num ministério, onde passa a maior parte do tempo. Está, por lado, profundamente afetado pela morte de António, seu grande amigo e mentor; e pelo outro, não consegue deixar de pensar em Adriana, a mulher cujo amor perdeu. Filme noturno e a roçar difusamente a fronteira do fantástico, assombrado pelo sentimento da perda, pela solidão e pelo desnorte existencial, “ A Vida Invisível” proporciona a Filipe Duarte uma interpretação toda ela em subtileza e em subentendidos, virada para dentro, onde o ator, em vez de explicar a personagem, vai deixando pistas para que o espectador a decifre e compreenda.
“Cinzento e Negro”
De Luís Filipe Rocha (2015)
Nesta história de vingança partilhada por quatro personagens, a que o realizador Luís Filipe Rocha deu a estrutura de um “western” clássico e ressonâncias de tragédia intemporal, Filipe Duarte é Lucas, um inspetor da polícia que está a viver um drama pessoal, e que outra figura do quarteto de protagonistas contrata para ajudar a encontrar o homem que persegue e que a roubou. Este é um papel muito parco no verbo e contido na expressão emocional, em que Filipe Duarte tem que sugerir tudo o que vai por dentro de Lucas em vez de o exteriorizar alto e bom som, e espreme, sem pressas e até à última gota, o ácido e espesso sumo dramático da personagem.
“Variações”
De João Maia (2019)
Esta biografia de António Variações que se centra essencialmente na altura em que o cantor ainda não era conhecido no meio artístico e era apenas uma figura da noite lisboeta, e que recria o seu esforço para singrar no mundo musical, é, naturalmente, monopolizada pela interpretação de Sérgio Praia no papel do título. Filipe Duarte dá corpo a Fernando Ataíde, o dono da discoteca Trumps e antigo amante de Variações, que este reencontra, agora casado, em Lisboa, e faz-nos sentir que a sua personagem também é principal, num filme em que a figura que domina por completo a narrativa é outra.