Estamos todos a meio caminho. Se há coisa que agora abunda é essa ideia de congelamento, suspensão, objetos pendurados, objetivos adiados, contratempos em tudo o que é dimensão da vida social e humana. O britânico Sam Smith – a superestrela que já conta com 4 Grammy Awards, 3 BRIT Awards, um Globo de Ouro e um Óscar no palmarés – foi um desses atingidos por esta intempérie virulenta que deixou o mundo de cuecas.

Em fevereiro, antes de a situação pandémica chegar no Reino Unido, o artista abria o pano sobre o seu novo disco, To Die For, com um single com o mesmo nome, que estava anunciado para dia 1 de Maio, via Capitol. Mas tudo o que era deixou de ser. E no final de março, o artista abdicou da edição, alterando desde logo o nome do disco, que passou a chamar-se Sam Smith 2020, ainda sem nova data de edição. A partir de Londres, numa videochamada com a câmara desligada, confirma o motivo da mudança:

“Acho que sou sensível para com os meus fãs e as pessoas que ouvem a minha música. E a verdade é que vou, se conseguir e se tudo correr bem, andar a viajar e a cantar estas músicas por algum tempo e acho que é importante que o título do disco e o seu tom pareça o certo e pareça ter em conta aquilo que as pessoas estão a sentir com tudo isto. É claro que estou numa situação com muita sorte em que pude fazer isso, tinha o disco mais do que pronto e consegui atrasá-lo. É importante porque nós não sabemos como é que o mundo vai ser, mas a música pop é a banda sonora da vida, certo? É o que está à nossa volta, é o que passa na rádio, deve refletir as experiências das pessoas”.

[“To Die For”:]

Mas fechado – estimados leitores confinados, apoiem-me nesta – não quer dizer quieto. Se o single que havia disponibilizado em fevereiro, e que era também o título do disco, foi apanhado de surpresa – e cujo nome, convenhamos, não é o mais indicado para esta época – há que reagir. E reagir neste caso significa ter um outro single chamado “I’m Ready” (feito em colaboração com Demi Lovato) que foi libertado na internet esta sexta-feira, além de uma data de outras atividades que quem está em casa parece obrigado a praticar.

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Aliás, a conversa começou por aí: “Estou bem, estou em casa com a minha irmã e estou numa situação muito privilegiada porque não estou a trabalhar nem a colocar a minha vida em risco, tendo ficado aqui dentro. E tu? Estás bem?”. Ao que respondemos que estamos bem, em casa, com a namorada e o cão. E logo o humor de Smith vem à tona: “Então a tua situação é ainda mais privilegiada que a minha, porque eu estou solteiro, nesse campo estás melhor. Mas sim, tenho tentado fazer exercício, o que é algo que odeio absolutamente, tenho tentado comer bem, ser saudável, manter-me positivo, até para a minha saúde mental estar bem, coisa que nem sempre acontece. Além disso, tenho passado tempo com a minha irmã, comecei a ver a série Euphoria, que é fantástica, portanto, sim, algum binge watching, The Handmaid’s Tale, e dou um passeio por dia. Tem sido bom, a minha vida tem estado bastante ocupada nos últimos sete anos, sabes, daí que esta quietude me esteja a saber bastante bem”.

Descansemos, por fim. Até porque é bom saber que o cantor anda a ver produções televisivas de qualidade, que já largou as frases do filme Donnie Darko (Richard Kelly, 2001) que samplou para o tema “To Die For” e prefere as palavras de Margaret Atwood. Não é que lhe façam melhor, mas o brilhantismo das ditas é inegável. E sabemos agora que Smith já teve piores dias, isto é, já esteve mais deprimido, já esteve com menos vontade de estar em diálogo com outrem. O momento em que decidiu fazer a canção diz bastante sobre isso:

“Foi no início do ano, lembro-me que estávamos no estúdio a cantar e o Savan [Kotecha], um dos maravilhosos colaboradores que escreveu a canção comigo, pergunta-me: ‘O que é que tu queres dizer?’. E tudo o que queria dizer era que estava finalmente pronto para me apaixonar novamente, não me sentia assim há muito, muito tempo, sem me sentir vulnerável e pronto para me dar a alguém. É muito simples, nesse sentido”, conta.

O amor ou a vontade de o acolher – mesmo que esta tese não tenha por base um estudo científico, ia pedir-lhe, caro leitor, que me apoiasse novamente – é capaz de nos transcender, de nos trazer vontade de fazer diferente. E “I’m Ready” é diferente, parece até inaugurar uma certa forma de fazer em Sam Smith, o fim dos complexos em fazer uma canção pop em toda a sua essência. “Sim, sem dúvida, eu sabia que queria mesmo fazer uma grande canção pop. E isso está completamente alcançado, acho que não estamos propriamente nesse momento, em que as pessoas constroem coisas grandes e ousadas. Foi por isso que quis que fosse assim”, admite.

[“I’m Ready”:]

É uma canção intensa, que não abdica do lado sensível do artista, a sua delicadeza está lá na mesma, mas que vai um degrau acima na ousadia pop, num qualquer movimento que podia ter sido furtado à linguagem do hip-hop ou até de clubbing. Ideia que também recebe o sim do jovem inglês:

“Concordo, é um tema bastante energético, sem dúvida, sou um grande fã do Kanye West, admito, e queríamos que a canção tivesse esse sentimento, essa batida, essa ousadia, é quase como alguém que agora volta à vida, que tinha estado num sítio escuro e que agora vem para à luz”.

Por fim, sobra ainda uma palavra para a colaboração com Demi Lovato, claro. “A Demi Lovato sempre foi uma das minhas artistas preferidas, adoro-a e a voz dela é uma das melhores vozes da praça, ela é como um farol que ilumina tudo por onde passa. Adorei trabalhar com ela, e adoraria voltar a fazê-lo, foi a primeira coisa que fizemos juntos e construímos uma amizade muito bonita, o que me deixa feliz e espero que ela esteja sempre presente na minha vida”.

Já nós, esperamos então que seja tempo de Sam Smith 2020, de preferência ainda este ano.