O Bloco de Esquerda considera que a estratégia apresentada pelo Governo para recuperar a economia do país numa fase pós-pandemia tem sido “equívoca”, ao dizer que rejeita a austeridade mas sem tomar medidas para a evitar. “O investimento hoje é receita amanhã, emprego hoje é menos subsídio de desemprego e mais receita fiscal amanhã, foi isso que aprendemos com a crise financeira”, disse a líder bloquista este sábado quando questionada sobre a entrevista de António Costa ao Expresso, onde o primeiro-ministro afirmou que a “despesa de hoje é um imposto de amanhã”.

“É uma frase equívoca”, atirou Catarina Martins, utilizando o mesmo adjetivo que usou para ilustrar a estratégia do Governo para responder à quebra económica. A líder do Bloco de Esquerda deu uma conferência de imprensa onde apresentou a resolução política aprovada este sábado pela Mesa Nacional do partido.

“Registámos intervenções em que o primeiro-ministro diz que a autoridade não deve ser repetida mas registamos que há medidas que são ou não são implementadas”, explicou, oferecendo depois o exemplo da Galp, que recorreu ao regime de lay-off mas “despediu trabalhadores precários e vai distribuir 300 milhões de euros em dividendos”, algo que disse ser “injustificável”, e recordando que não foram proibidos despedimentos e que o Governo “está a deixar que se crie desemprego”. “Se não queremos austeridade, não podemos permitir políticas destas, porque a austeridade é o sacrifício dos trabalhadores face ao aumento do lucro do capital”, concluiu Catarina Martins.

No texto aprovado pela Mesa Nacional do Bloco, o partido defende que a proposta de estado de emergência apresentada pelo Presidente da República tem “termos errados e desnecessários no momento atual”. “A limitação ao direito de resistência e do direito à greve em setores essenciais é um enunciado ideológico desligado da realidade vivida no país”, pode ler-se na resolução política, que acrescenta ainda que a “renovação só deve ter lugar no atual quadro de medidas de contenção, devendo terminar logo que levantados os primeiros constrangimentos à circulação”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No texto, o Bloco mostra-se desde já contra a possibilidade que tem sido avançada nos últimos dias e que implica que os idosos se mantenham isolados durante mais tempo do as restantes faixas etárias da população. “A previsão de restrições diferenciadas ao direito à circulação em função da idade é inconstitucional e sugere uma inaceitável guetização forçada dos mais velhos que vai muito além da proteção da saúde dos mais vulneráveis”, garante o partido liderado por Catarina Martins.

O Bloco de Esquerda votou a favor do decreto do estado de emergência e também dos dois prolongamentos que já passaram na Assembleia da República, o último dos quais durante esta semana. Na resolução política, o Bloco considera que a aplicação do estado de exceção resultou em medidas “importantes, efetivadas em tempo útil”, como é o caso do adiamento do pagamento de rendas, da suspensão do pagamento dos créditos à habitação e também a proibição dos despejos.

Já no que toca a política europeia, a líder do BE anunciou que o partido já apresentou uma proposta de fundo de recuperação financiado diretamente pelo Banco Central Europeu, em alternativa ao Mecanismo Europeu de Estabilidade, que, segundo Catarina Martins, “permitiria que os países pudessem investir em políticas contracíclicas sem ficarem presos a lógicas de dívida pública no futuro. A líder bloquista defendeu ainda que Mário Centeno, enquanto presidente do Eurogrupo, tem apoiado medidas que “significam mais endividamento hoje e mais austeridade no futuro”.

Sobre a possibilidade de o Bloco estar a “dar mais espaço” ao PSD numa fase pós-Covid 19, Catarina Martins afirmou que “ninguém espera que o Bloco de Esquerda apresente propostas de austeridade” e sublinhou a disponibilidade para colaborar com soluções de “política contracíclicas”. “Não confundimos solidariedade com um Governo que está a combater a crise com um unanimismo que reduza a política a zero e faça com que, na ausência de proposta, seja a austeridade a parecer natural”, acrescentou.

Por fim, Catarina Martins anunciou que o Bloco de Esquerda vai promover um ciclo de conferências online sobre alternativas à austeridade entre 27 e 29 de abril, sob o tema “Aprender com a crise, recuperar a economia e o país”. O partido suspendeu ainda os prazos e o regulamento da Convenção Nacional, marcada para os dias 24 e 25 de outubro, e adiou uma decisão final para o início do mês de junho. “Não decidimos desmarcar a Convenção, os prazos dos vários debates preparatórios é que se provou impossível mantê-los. Por isso, o que fizemos foi suspender prazos para, no início de junho, tendo em conta o que for a situação epidémica, já estaremos em condições de compreender se é preciso alterar a data ou apenas alterar procedimentos mantendo a data”, esclareceu a líder partidária.