Mais de 24 horas depois da morte de Rubem Fonseca (a 15 de abril, aos 94 anos), o mais importante escritor brasileiro da segunda metade do século XX, o ministério da Cultura de Regina Duarte continuava em silêncio. Onde quer que esteja neste momento, Zé Rubem ri, com aquele riso que só têm os que olharam de frente o inferno e não desviaram os olhos, os que não têm pudor nem vergonha, os que têm poucos amigos porque se recusam a fazer teatro social. Os que pertencem à mesma espécie de homens que Truman Capote que, em Music For Chamaleons,    dizia querer ser como “os abutres”, ou seja: “Os que não têm que se preocupar com a aparência nem com o seu poder de sedução; que não têm que posar de nada. Seja como for, ninguém vai gostar dele; é feio, indesejável, mal recebido em toda a parte. E há muito a dizer sobre a liberdade que isso dá”.

E a liberdade de Rubem Fonseca já estava na mira do governo de Jair Bolsonaro, quando, há uns meses, o estado de Rondônia emitiu uma lista de livros a serem retirados das escolas, na qual constavam 19 livros do escritor, que já em 1976 vira a ditadura militar apreender o seu livro de contos Feliz Ano Novo, dando origem a uma batalha judicial que só seria resolvida no final dos anos 80. As razões alegadas pelo ministro da  educação, em 1976, para a censura do livro, não são muito diferentes das razões alegadas em 2019: “Obra realmente representativa da obscenidade literária em nosso País”.

Aquilo que é adjetivado pelos políticos brasileiros como “obsceno” é a força motriz da obra deste ex-advogado, ex-polícia: a violência fundadora do humano. E convém esclarecer que este conceito, que encontramos mais na psicologia (Rubem Fonseca estudou Psicologia, além de Direito) do que nos estudos literários, nos remete para a violência da natureza, aquela contra a qual o Homem ergueu a civilização e a tecnologia, mas que, no final, acaba sempre por nos derrotar. Não é uma violência política, ainda que a política não seja mais do que uma forma de controlar ou manipular a violência. Não é uma violência ideológica, classista, Rubem não irá nunca defender ninguém e, nos seus livros, o herói e o vilão são muitas vezes a mesma pessoa.

Este artigo é exclusivo para os nossos assinantes: assine agora e beneficie de leitura ilimitada e outras vantagens. Caso já seja assinante inicie aqui a sua sessão. Se pensa que esta mensagem está em erro, contacte o nosso apoio a cliente.