“Estava nervoso ao início, afinal era o primeiro-ministro. A responsabilidade que eu ia ter em mãos era enorme. Nem sequer sabia como é que me ia dirigir a ele, devia chamá-lo Boris? Mister Johnson? Primeiro-ministro?”. Foi o próprio primeiro-ministro britânico quem ajudou a quebrar o gelo e deu a resposta. “Perguntei-lhe como queria que o tratasse e ele disse-me para o chamar apenas Boris. Isso fez com que ficasse menos nervoso, porque tornou-se menos formal. Ele queria apenas ser tratado como qualquer outro paciente”.

O relato é de Luís Pitarma, o enfermeiro português de 29 anos, natural de Aveiro, que esteve três noites seguidas ao lado do primeiro-ministro britânico quando este esteve internado nos cuidados intensivos do hospital St. Thomas em Londres devido a uma infeção pelo novo coronavírus. É a primeira vez que este enfermeiro, que recebeu um agradecimento público por parte do primeiro-ministro britânico (a par de uma enfermeira neo-zelandesa), e que foi também elogiado pelo Presidente da República português, fala sobre os dias em que tratou este paciente invulgar. As declarações foram feitas numa publicação ligada ao Serviço Nacional de Saúde britânico, até porque os profissionais de saúde do NHS não estão autorizados a falar sobre os casos a título pessoal e independente.

Luís Pitarma, segundo conta agora, sentiu uma “grande responsabilidade” e um “enorme orgulho” por ter prestado assistência ao primeiro-ministro do país que o acolheu, garantindo que, apesar da responsabilidade acrescida, Boris Johnson foi tratado como “qualquer paciente” representando “uma vida como qualquer outra”.

Luís Pitarma é de Aveiro e tem 29 anos. Foi ele o enfermeiro português ao lado de Boris Johnson

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“Estive ao lado dele as três noites que passou na unidade de cuidados intensivos. Tivemos algumas conversas, incluindo sobre de onde eu era. Eu disse-lhe que sempre tinha sonhado trabalhar no St. Thomas desde que entrara para a faculdade de enfermagem em Portugal, em 2009, pelo que aprendi sobre Florence Nightingale e a sua ligação aquele hospital”, afirma o enfermeiro, que acrescenta que o primeiro-ministro ficou entusiasmado com a ideia de aquele jovem enfermeiro português ter querido trabalhar naquele hospital e agora estar ali a cumprir o seu sonho.

De acordo com o enfermeiro português, as mensagens de força que vinham do mundo exterior, e que a equipa próxima do primeiro-ministro lhe fazia chegar diariamente, deram “força” a Boris Johnson para superar a doença.

Depois de ter ouvido o agradecimento dirigido a si, em pessoa, Luís espera poder “encontrar o primeiro-ministro noutra oportunidade, quando ele estiver totalmente recuperado”. “Não tenho palavras para descrever o que senti quando ouvi a mensagem do primeiro-ministro. Fiquei muito comovido. E muito surpreendido porque a mensagem veio mesmo do coração. Foi a mensagem mais honesta que já ouvi”, disse ainda, mostrando-se “muito orgulhoso” do trabalho não só feito a título pessoal, mas de toda a equipa hospitalar que diariamente trata doentes com Covid-19.

Também sobre o contacto telefónico de Marcelo Rebelo de Sousa, Luís Pitarma disse ter ficado “orgulhoso”. “Agradeceu-me pelo que fiz, por ser enfermeiro e por representar Portugal”, relevou. “Foi uma mensagem muito carinhosa, fiquei sem saber o que dizer”, admite, acrescentando que Marcelo o convidou para uma visita a Belém quando regressar a Portugal.

No final, uma ressalva sobre o regresso à normalidade depois de uns dias de estranha atenção mediática: “Era importante que eu voltasse logo ao meu trabalho de todos os dias, porque os outros pacientes precisam do mesmo nível de atenção que o que foi dado ao primeiro-ministro. Há vidas para salvar e uma equipa para apoiar”, disse.

Também a enfermeira neo-zelandesa que tratou o primeiro-ministro britâncio, e que também foi alvo de um agradecimento público, falou à televisão neo-zelandesa TVNZ, em declarações citadas pelo Telegraph, onde garantiu que o primeiro-ministro foi tratado como qualquer doente e que chegou às suas mãos a “precisar absolutamente de cuidados intensivos”. Sem querer entrar em detalhes sobre o estado de saúde do primeiro-ministro, Jenny McGee disse que a equipa hospitalar “leva muito a sério quem chega aos cuidados intensivos, uma vez que é uma experiência muito assustadora para eles”.

A enfermeira, de 35 anos, também nota que o primeiro-ministro se mostrou curioso sobre a cidade de onde era natural, Invercargill, na Nova Zelândia, e admite que quando soube que Boris Johnson lhe agradeceu, a ela própria, publicamente, achou que era “uma piada”. “Achei que os meus amigos estavam a gozar comigo. Estava a sair da minha rotina normal, depois de mais um turno noturno, quando alguém me manda uma mensagem a dizer que ele disse o meu nome — Jenny da Nova Zelândia — e aí pensei ‘ok, sou eu'”, conta. “Não estava à espera, foi totalmente inesperado e fiquei em choque”, conta.