Especialistas do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) vão avaliar, através de uma ferramenta digital, o desempenho cognitivo dos doentes infetados com Covid-19 que estão a ser seguidos em duas unidades hospitalares no Norte do país.

“Sabemos que o vírus pode penetrar no sistema nervoso central e manifestar-se ou numa fase aguda, ou mais tardiamente, por complicações neurológicas“, afirmou esta quinta-feira Vítor Tedim Cruz, investigador do ISPUP e diretor do serviço de neurologia do Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos.

Em declarações à Lusa, o médico neurologista explicou que o projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa Gulbenkian Soluções Digitais Covid-19, vai, através de uma ferramenta digital, intitulada “Brain on Track”, monitorizar o desempenho cognitivo dos “sobreviventes da infeção” que estão a ser seguidos no Hospital Pedro Hispano e no Centro Hospitalar Entre Douro e Vouga, em Santa Maria da Feira.

O que procuramos perceber é se o facto de terem sofrido uma infeção pelo vírus pode vir a aumentar o risco de mais tarde terem um diagnóstico de demência, acidente vascular cerebral (AVC), Parkinson ou Alzheimer”, adiantou.

Com base num questionário sobre os níveis de infeção e, posteriormente, num teste computacional que avalia as funções cognitivas mais importantes — memória, atenção, linguagem, raciocínio e cálculo – os investigadores vão, de três em três meses, conseguir identificar a evolução das “trajetórias cognitivas”.

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No entanto, e segundo Vítor Tedim Cruz, tal só será possível através da comparação de dados, nomeadamente, de doentes com Covid-19 e pessoas que não foram infetadas com o vírus.

“Se, por exemplo, identificarmos trajetórias de perdas de capacidade, convocamos essas pessoas para uma avaliação neurológica mais completa, inicialmente em registo de teleconsultas e, posteriormente, presenciais se for necessário para fazer os exames de diagnóstico”, referiu.

Apesar do projeto terminar em setembro, a ideia dos especialistas é “acompanhar a longo prazo” estes doentes, que têm de ter mais de 18 anos e, preferencialmente, estar a ser seguidos pelas unidades hospitalares.

O processo de recrutamento está centrado em doentes que estão em seguimento nestas duas instituições, mas, se houver pessoas da comunidade que também querem ser seguidas basta comunicar ao instituto”, adiantou o especialista.

À Lusa, o especialista adiantou que o objetivo deste projeto, que recebeu um financiamento de 10 mil euros, é que a ferramenta digital “Brain on Track” possa ser utilizada noutras zonas do país.

“O objetivo é disponibilizar a ferramenta a todo e qualquer outro centro que partilha desta necessidade. No final do projeto, se houver um centro em Lisboa ou no Algarve que quer seguir a mesma metodologia, pode usar a ferramenta para essa finalidade”, concluiu.

A iniciativa Gulbenkian Soluções Digitais, lançada no âmbito da pandemia de Covid-19, vai financiar 19 projetos orientados para a promoção da saúde pública, com um total de 200 mil euros.

Portugal contabiliza 820 mortos associados à Covid-19 em 22.353 casos confirmados de infeção, segundo o boletim diário da Direção-Geral da Saúde (DGS) sobre a pandemia.