Mesquitas fechadas, reuniões de família proibidas e recolher obrigatório devido à pandemia de Covid-19 marcam o começo do Ramadão na maior parte do mundo, embora algumas autoridades religiosas tenham rejeitado as restrições, informou esta sexta-feira a agência AFP.

Assim, este ano, o Ramadão – mês sagrado e espiritual de jejum muçulmano -, sinónimo de período religioso de partilha, generosidade e encontro familiar, promete ser sombrio para as centenas de milhares de muçulmanos na Ásia, Oriente Médio, Norte da África e também na Europa.

As restrições impostas na maioria dos países, incluindo Portugal, obrigaram as mesquitas a permanecerem fechadas e o iftar, a refeição diária de quebrar o jejum, um momento geralmente amigável ou festivo, não pode ser partilhado como é habitual na família ou entre vizinhos.

O rei Salman, da Arábia Saudita, pais dos dois lugares mais sagrados do Islão, revelou estar “angustiado” pela impossibilidade de haver orações coletivas, mas insistiu na necessidade de “proteger a vida e a saúde” do seu povo.

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As medidas de contenção são rigorosas na Arábia Saudita, onde as orações foram suspensas nas mesquitas e um recolher obrigatório foi imposto na maioria dos sítios, com exceção da Grande Mesquita de Meca, onde os fiéis, em número limitado e cercados por forças de segurança, participaram na oração na sexta-feira. Em contrapartida, a quase sempre lotada esplanada da Kaaba, a estrutura cúbica localizada no coração da Grande Mesquita e para a qual os muçulmanos vão durante a oração, estava deserta.

O confinamento generalizado afetou particularmente os mais desfavorecidos, privados da caridade de mesquitas ou associações, conforme relatou Salah Jibril, um trabalhador palestino desempregado em Gaza: “As mesquitas estão fechadas e aqueles que nos ajudam normalmente também passam por dificuldades”.

Também em Portugal, os muçulmanos começaram o Ramadão na sexta-feira com as mesquitas fechadas pelo menos até 2 de maio devido à pandemia. Em declarações à Lusa, o imã da Mesquita de Lisboa, xeque David Munir, explicou que a decisão já estava tomada há algum tempo e que o retorno à oração nos espaços de culto nos formatos habituais ainda está por decidir, esperando-se orientações do Governo para que possam ser tomadas decisões sobre o futuro.

Admitiu ainda que, mesmo quando houver a possibilidade de reabertura das mesquitas, o número de fiéis presentes terá de ser menor do que o habitual e “com certeza” com o uso de máscaras.

Também no Iraque, os iraquianos não puderam partilhar o iftar com seus parentes à noite e o mausoléu de Abdelqader al-Gelani, um dos maiores santuários sunitas do Iraque, foi fechado, assim como a maioria das mesquitas.

Por outro lado, o recolher noturno foi imposto em vários países do Oriente Médio, tendo no maior país muçulmano do mundo, a Indonésia, os fiéis sido convidados a ficar confinados em casa, quando tradicionalmente nesta data todos se reúnem com outros familiares.

Este Ramadão é muito diferente, não é festivo. Estou dececionado por não poder ir à mesquita, mas o que podemos fazer?”, queixou-se o indonésio Fitria Famela, citado pela AFP.

Na Indonésia, à semelhança de outros países da Ásia, continente onde residem mais de mil milhões de muçulmanos, alguns líderes religiosos recusaram-se a cumprir as restrições. Foi o caso da principal organização muçulmana da província indonésia de Aceh, onde milhares de fiéis assistiram à oração na maior mesquita da capital, Banda Aceh. “Não estou preocupado porque uso máscara e mantenho distância”, contrapôs Cut Fitrah Riskiah, presente na cerimônia.

No Bangladesh, dignitários religiosos não cumpriram as recomendações para reduzir o acesso às mesquitas e no Paquistão as mesquitas estiveram cheias quando o Ramadão chegou.

Em contraste, Mohamad Shukri Mohamad, clérigo conservador da Malásia, em Kelantan, optou por abdicar as orações coletivas e as refeições em família, mesmo que isso significasse não ver seus seis filhos e 18 netos.

É a primeira vez na minha vida que não consigo ir à mesquita. Mas nós aceitamos e cumprimos as medidas de distanciamento social para proteger nossas vidas”, justificou

Na Rússia, os fiéis tiveram de rezar sem ir à mesquita e as tendas geralmente instaladas à noite com água e comida não existiram este ano. O chefe do conselho muçulmano da Rússia, Ravil Gainoutdine, disse aceitar as restrições para este Ramadão como um “teste enviado por Alá”.

Na Ásia Central, as autoridades religiosas do Quirguistão, Cazaquistão e Uzbequistã proibiram celebrações e reuniões familiares no Ramadão.

No Tajiquistão, poupado oficialmente da pandemia, as autoridades religiosas pediram aos fiéis que não cumprissem o jejum para não se tornarem vulneráveis a doenças infecciosas.

O Ramadão é o mês sagrado para os muçulmanos porque foi durante este período que o profeta Maomé recebeu as primeiras revelações do Alcorão. O jejum é um dos pilares do Islão e é obrigatório. Todos os muçulmanos adultos e saudáveis devem fazê-lo, mas crianças doentes e idosos estão isentos.

A nível global, segundo um balanço da AFP, a pandemia de Covid-19 já provocou cerca de 200 mil mortos e infetou mais de 2,7 milhões de pessoas em 193 países e territórios. Mais de 720 mil doentes foram considerados curados.

Em Portugal, morreram 854 pessoas das 22.797 confirmadas como infetadas, e há 1.228 casos recuperados, de acordo com a Direção-Geral da Saúde.

A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.

Para combater a pandemia, os governos mandaram para casa 4,5 mil milhões de pessoas (mais de metade da população do planeta), encerraram o comércio não essencial e reduziram drasticamente o tráfego aéreo, paralisando setores inteiros da economia mundial.

Face a uma diminuição de novos doentes em cuidados intensivos e de contágios, alguns países começaram entretanto a desenvolver planos de redução do confinamento e em alguns casos, como Dinamarca, Áustria, Espanha ou Alemanha, a aliviar algumas das medidas.