Ao produzir longas-metragens animadas como “Klaus”, de Sergio Pablos e Carlos Martínez López, ou “J’ai Perdu mon Corps”, de Jérémy Clapin, a Netflix deixou bem claro que não queria fazer filmes que imitassem os da Disney/Pixar, da Dreamworks, da Laika, da Illumination ou de qualquer outro estúdio, já estabelecido ou recente no mercado, mas sim que fossem originais no gesto estético e no discurso narrativo. Esta intenção de criar um estilo próprio e contar histórias fora dos caminhos habitualmente trilhados na animação, está mais uma vez expressa em “The Willoughbys”, de Kris Pearn, o realizador de “Chovem Almôndegas 2”.

[Veja o “trailer” de “The Willoughbys”:]

Baseado no livro infantil homónimo de Lois Lowry, o filme vira do avesso temas e figuras tradicionais do universo da literatura e do cinema para miúdos, piscando o olho a autores menos convencionais como Edward Gorey ou Lemony Snickett e a sua série de livros “A Series of Unfortunate Events”, e a filmes de realizadores como Wes Anderson onde existem famílias complicadas ou de substituição, como “Os Tenenbaums — Uma Comédia Genial” ou “Um Peixe Fora de Água”. Em “The Willoughbys”, Tim, Jane e os gémeos Barnaby, os quatro irmãoes sobredotados da outrora ilustre família Willoughby, conspiram para se verem livres dos pais, que são poços sem fundo de egoísmo, negligência e insensibilidade, além de indescritivelmente ridículos, acreditando que serão uma família normal – e comerão mais regularmente — se forem órfãos.

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[Veja uma entrevista com o realizador Kris Pearn:]

Graças a uma brochura de turismo falsa, enviam-nos numas férias pelo mundo fora, durante a qual esperam que sejam comidos por piranhas, incinerados por um vulcão ou colhidos por um rinoceronte. O enredo adensa-se graças à presença de uma bebé órfã com uma fome insaciável, de uma ama carinhosa e divertida e do dono de uma gigantesca fábrica de guloseimas, que anda vestido de almirante e em vez de condecorações usa os doces que produz pendurados na farda. O filme tem como narrador omnisciente um gato “british” que é ao mesmo tempo protagonista da história, e ao qual Ricky Gervais empresta a voz, sendo também um dos produtores. (Não é para admirar que encontremos algum do humor ácido e provocador de Gervais em “The Willoughbys” – ver o que acontece aos pais dos miúdos no final).

[Veja uma cena do filme:]

Adotando um estilo visual que poderíamos classificar de gótico-psicadélico, pelo qual os aspetos mais sombrios da história se diluem numa exuberante paleta de cores, “The Willoughbys” progride num frenesim contínuo. Que por vezes se torna frenético demais, empilhando gags em primeiro e segundo plano, espirrando “slapstick” em jato contínuo e disparando peripécias à rajada, e ganhando em ausência de sentimentalismo peganhento e em vertigem cómica o que perde em solidez de estrutura e sentido de arrumação (neste particular, Kris Pearn, que também participou no argumento, podia aprender uma coisas com a concorrência, em especial com a Disney/Pixar).

Os miúdos apreciação o lado travessamente subversivo e esfuziante de “The Willoughbys”, que não é grave o suficiente para pôr os pais – sobretudo os mais bonzinhos e exemplares, que são a grande maioria – a trepar pela paredes de indignação.

“The Willoughbys” já está disponível na Netflix