Os museus, monumentos, palácios e centros interpretativos do país “devem reabrir ao público com regras claras de higiene e segurança”, no contexto da pandemia Covid-19, defendeu esta quarta-feira a Associação Portuguesa de Museologia (APOM).

Esta posição foi manifestada pela associação numa carta enviada na terça-feira à noite ao Ministério da Cultura, na sequência do anúncio da reabertura progressiva de alguns setores de atividade, em maio próximo.

Contactado pela agência Lusa, o presidente da APOM, João Neto, disse que é “essencial garantir condições de segurança para o público e os trabalhadores destes espaços” do património cultural do país.

“Temos de estar preparados para todas as situações, e o Ministério da Cultura ou o Ministério da Saúde devem criar normas uniformes para todos”, reiterou o responsável, referindo-se não só aos museus, mas também a palácios, monumentos, sítios arqueológicos, instituições que preservam espécies vivas, centros interpretativos e centros de ciência viva de todo o território nacional.

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A carta da APOM com este apelo ao Ministério da Cultura surge na sequência de uma reunião realizada no dia 25 de abril, no Palácio de Belém, na qual o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ouviu vários agentes culturais.

“Todos os espaços culturais, sejam públicos ou privados devem seguir as mesmas diretrizes”, reiterou o presidente da APOM, que apela ainda a uma “reabertura gradual, para o público sentir confiança e segurança”.

“Para isso, gostaríamos que a reabertura gradual dos espaços tivesse em linha de considerarão os efeitos do surto pandémico, por cada região do país, assim como a disposição de recursos humanos, na relação direta das áreas de trabalho ou de visita por metro quadrado, distanciamento social, higiene e desinfestação sanitárias”, propõe.

Neste sentido, “o regulamento deverá estar bem visível para todo o púbico visitante, transmitindo bons níveis de confiança e segurança, durante a visita”.

Perante esta nova “grave realidade”, defende que se garanta o distanciamento social, uso obrigatório de máscaras de proteção, o uso de luvas nos espaços onde existam sistemas tecnológicos interativos e de outros cujo manuseamento seja efetuado manualmente.

Também recomenda o reforço da limpeza e da higienização, durante os horários de abertura ao público, principalmente, nos espaços de atendimento – bilheteira, loja e cafetaria -, através de usos de barreiras ou de acrílicos protetores, e o uso obrigatório de máscara e luvas de proteção.

“Se um visitante aparece sem máscara deve-lhe ser proibida a entrada, ou então estes espaços serem autorizados a vendê-las”, sugere.

Relativamente às atividades museológicas e iniciativas culturais, a desenvolver no quadro pandémico, a APOM considera ser necessária uma nova forma de atuação no que diz respeito à marcação, a partir de agora mais controlada, de visitas.

“Durante este período conturbado, entendemos também que em algumas situações e por decisão dos diretores das instituições culturais, alguns espaços de visita, possam ser encerrados em abono da segurança e saúde dos visitantes”, ressalva.

Por outro lado, João Neto alerta para a necessidade de garantir a continuação dos projetos de investigação, exposição, conservação e divulgação, “em cumprimento legal com a contratualização de serviços prestados por empresas e fornecedores, entre outros agentes culturais, evitando desta forma o desemprego no sector profissional, direta ou indiretamente, ligados à cultura”.

A APOM pede ainda a tenção da tutela para a proteção dos trabalhadores a recibos verdes nestes espaços.

Museus muito dependes do turismo “vão sofrer muitíssimo”

O presidente do Conselho Internacional de Museus (ICOM) da Europa, Luís Raposo, alertou esta quarta-feira que os museus muito dependentes do turismo internacional “vão entrar em grandes dificuldades e sofrer muitíssimo”, com a quebra provocada pela pandemia da Covid-19.

Contactado pela agência Lusa sobre os desafios que o setor dos museus enfrenta no presente e no futuro, com as restrições de acesso público, o responsável avaliou que em Portugal “essa quebra do turismo, com a consequente redução de receitas, irá criar situações deficitárias, mas não deverão encerrar”.

A nível mundial haverá situações graves de rotura, com encerramentos, no setor privado, e os museus públicos que dependem muito desses fluxos de turismo vão enfrentar grandes dificuldades“, avaliou, dando o exemplo do Museu do Prado, em Madrid, e do Museu Van Gogh, na Holanda, situação que deverá “demorar anos a recuperar”.

No caso concreto de Portugal, deu o exemplo dos monumentos integrados na Parques de Sintra – Monte da Lua, que “vai ter um rombo imenso por depender muito do turismo”, mas, globalmente, não antevê situações extremas porque “a maioria dos museus são públicos e suportados pelo Estado”.

Os museus das autarquias ou das comunidades vão acomodar-se à situação de quebra de turismo, porque já têm poucos recursos, mas os museus nacionais vão enfrentar o grande problema da quebra dessas grandes receitas do turismo internacional”, apontou.

Considera que estão nesta situação museus e monumentos com grande fluxo turístico, como a Torre de Belém, o Mosteiro dos Jerónimos, o Museu dos Coches ou o Museu do Azulejo, todos em Lisboa.

Não haverá obviamente casos de encerramento, como se prevê, por exemplo, nos Estados Unidos, mas de regressar a níveis de sobrevivência difíceis durante algum tempo”, disse o arqueólogo.

O presidente do ICOM Europa explicou que, nos últimos anos, muitos museus desenvolveram estratégias muito ligadas à lógica de mercado, com receitas próprias extremamente dependentes dos fluxos turísticos.

Neste contexto, revelou que a Associação dos Museus dos Estados Unidos já alertou para a possibilidade de não abertura de cerca de um terço dos museus do país, na sua maioria privados ou sem fins lucrativos.

Em Portugal, no caso dos museus e monumentos nacionais, Luís Raposo diz que “o orçamento de receitas próprias, que tem andado na ordem dos 15 a 18 milhões de euros anuais, vai quase desaparecer”, devido a esta dependência do turismo internacional.

Nesse sentido, “os museus vão voltar a virar-se mais para os públicos nacionais, e recentrar-se na sua missão de cidadania”, antevê.

As incertezas para o futuro dos museus surgem numa altura em que estava em curso um processo de aplicação do decreto-lei com o novo regime jurídico de autonomia de gestão dos museus, monumentos e palácios tutelados pelo Ministério da Cultura, aprovado no ano passado.

Sobre a nova lei, que determina a realização de concursos internacionais para a escolha de novas direções, e a criação de planos plurianuais, considera que “vai por água abaixo”.

“Um elemento central do decreto-lei tem a ver com o conjunto da receita, que deveria ser redistribuído de forma solidária entre todos para ser aplicada em programação e investigação”, recorda Luís Raposo, vaticinando que “essa verba vai praticamente desaparecer”.

“Em momentos críticos, como este está a ser, a Direcção-Geral do Património Cultural terá uma tendência para a centralização, e provavelmente vai usá-la para pagar salários e outras despesas“, apontou, defendendo que “o que faria sentido era aplicá-la em programação”.

Luís Raposo está convicto de que “nada vai avançar na lei de autonomia dos museus e monumentos” tutelados pelo Ministério da Cultura.

Questionado sobre como antevê a reabertura ao público dos museus e monumentos, no quadro do progressivo abrandamento das restrições, o arqueólogo lamenta “o silêncio nesta matéria”.

“Ouve-se falar no cinema, nas artes performativas e nos livros, mas não se fala nos museus e monumentos”, disse o arqueólogo.

Na opinião do presidente do ICOM Europa, do ponto de vista sanitário, e com as devidas restrições e limitações, “seria interessante e simbólico que os museus reabrissem no Dia Internacional dos Museus”, que anualmente se comemora a 18 de maio, em todo o mundo.

“Antes disso é preciso abastecê-los de máscaras e gel desinfetante”, comentou, do ponto de vista prático.

A Lusa pediu uma reação ao Ministério da Cultura sobre a lei da autonomia dos museus e aguarda uma resposta.