O cartaz representa uma figura de mulher vestida de negro, com a silhueta de uma cidade coberta de neve em fundo. No meio, dentro da saia daquela, vê-se a cara de um homem que empunha uma pistola, e a cara de uma mulher mais afastada. Em cima, nos cantos, os nomes dos dois principais intérpretes, Sean Connery e Liv Ullmann. O título, “The Short Night”, está a meio. Em baixo, à esquerda, lê-se o nome do realizador: Alfred Hitchcock.

Este filme seria o último realizado por ele antes de se retirar, mas Hitchcock acabou por não o conseguir fazer, apesar de ter sido completado um primeiro esboço de argumento, assinado por David Freeman. No dia em que passam 40 anos da morte do realizador de “A Mulher que Viveu Duas Vezes” e “Intriga Internacional”, contamos a história deste projecto frustrado.

[Veja uma curta biografia de Alfred Hitchcock:]

No final dos anos 60, quando preparava a rodagem de “Topázio”, Hitchcock comprou os direitos de dois livros sobre o espião e agente duplo inglês George Blake, uma ficção, “The Short Night”, e uma não-ficção, “The Springing of George Blake”. Ambos tratavam da prisão de Blake em 1961, da sua evasão de uma penitenciária de Londres em 1966, e da sua fuga para a Finlândia, e daí para a URSS.

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A ideia do realizador era combinar, em “The Short Night”, elementos factuais do livro de não-ficção com a história ficcional, passada quase toda na Finlândia. Aí, o agente inglês enviado para matar Blake, iria apaixonar-se pela mulher deste, que o esperava com os dois filhos, para irem todos para a URSS. O enredo adensar-se-ia ainda mais, ao melhor estilo hitchcockiano.

O fracasso comercial de “Topázio” obrigou Hitchcock a adiar “The Short Night”. Depois daquele e de “A Cortina Rasgada”, o realizador resolveu não filmar uma terceira intriga de Guerra Fria e optou por ir para Londres, rodar “Frenzy-Perigo na Noite”, em 1972, a que se seguiria, de novo nos EUA, “Intriga em Família” (1976).

Em 1977, regressou a “The Short Night”, que foi anunciado pela Universal com o seu 54º filme, e possivelmente o último, e explicou, numa entrevista à revista “Sight & Sound”, o que o tinha interessado na história: “Há uma situação que me fascina: o herói apaixona-se pela mulher do homem que vai matar. E claro que não pode confidenciar à mulher o que vai fazer ao marido. É como uma farsa francesa virada do avesso.”

[Veja cenas de alguns filmes de Hitchcock:]

Hitchcock tinha pensado em Clint Eastwood para interpretar o agente, em Walter Matthau para a personagem do traidor em fuga e em Catherine Deneuve para a mulher deste. Como estavam os três indisponíveis por causa de outros filmes (Eastwood, por exemplo, estava a realizar e interpretar “Barreira de Fogo”, e fez saber a Hitchcock que lamentava imenso não estar livre para entrar em “The Short Night”), a escolha para os dois papéis principais acabou por recair em Sean Connery (que já tinha entrado em “Marnie”) e Liv Ullmann, com Michael Caine em espera para a terceira personagem. Hitchcock tinha estado na Finlândia quando da preparação de “Topázio” e os locais para as filmagens de “The Short Night” haviam já sido quase todos escolhidos.

Enquanto os trabalhos de pré-produção decorriam, já em 1978, o argumento da fita ia passando de mão em mão. Isto porque Hitchcock se ia incompatibilizando com cada um dos argumentistas, sempre por discordâncias irresolúveis quanto à história. Assim, James Costigan, Ernest Lehman e John Lloyd foram sucessivamente contratados e dispensados. No final desse ano, David Freeman conseguiu completar um primeiro esboço de guião.

Mas por essa altura, Alfred Hitchcock estava já muito doente e cada vez com menos forças, e só andava com o auxílio de uma bengala. No Verão de 1979, depois da morte de Victor Saville, que ia produzir “The Short Night”, decidiu desistir do filme e retirar-se. Morreu um ano depois e “Intriga em Família” ficou como a sua última realização.

[Veja o “trailer” de “Intriga em Família”:]

O primeiro esboço do argumento de “The Short Night” pode ser lido no livro de David Freeman “The Last Days of Alfred Hitchcock”, bem como nalguns “sites” da Internet dedicados à vida e aos filmes do cineasta. O cartaz, da autoria do ilustrador finlandês Jussi S. Karjalaínen, está reproduzido no blogue de cinema “Mystery Man on Film” (mysterymanonfilm.blogspot.com), onde se encontram também excertos comentados do guião. Numa entrevista dada nos anos 80 ao “L’Express”, quando interrogado sobre “The Short Night”, Sean Connery disse: “Estou absolutamente certo que ia ser um dos melhores filmes do Hitch. Mas estava escrito que nunca seria rodado. E tenho muita, muita pena.”