Afinal, os primeiros vestígios do novo coronavírus na região italiana da Lombardia podem datar do início de janeiro, muito antes do primeiro caso oficial da Covid-19 ter sido detetado no país, a 21 de fevereiro. Um estudo publicado esta quinta-feira pelo Corriere della Sera, admite que as pneumonias incomuns detetadas em crianças, em Milão, no mês de janeiro, possam ter sido o começo do surto em Itália. Os médicos descrevem mesmo estas pneumonias como “suspeitas”.

Tinham tosse e febre que nunca mais passavam. Penso que a epidemia pode ter começado mais cedo nas crianças”, admite o diretor do hospital pediátrico de Milão, Gian Vincenzo Zuccotti.

A única forma de confirmar estes suspeitas é com recurso a testes serológicos na população materno-infantil da Lombardia para verificar se a percentagem de imunidade é maior nas crianças do que nos adultos. A pediatra Silvia Decarlis detalha que, embora as pneumonias não fossem graves, eram suspeitas. Ainda assim, a médica também coloca a possibilidade de não terem sido as crianças a contaminar os pais, mas sim a serem infetadas, mais tarde, pelos pais que continuaram a trabalhar, já depois das escolas terem sido fechadas, em março.

Certo é que, na sequência de vários estudos que estão a ser realizados naquela que é a região mais afetada pela pandemia, vários médicos notaram e recordaram-se de uma pneumonia “muito particular” detetada em janeiro, que afetou não só crianças, mas também adultos — e que só agora a relacionam com o vírus. Pelo menos 1.200 pessoas tiveram sintomas de Covid-19 antes de 21 de fevereiro. O diretor do hospital Policlinico di Milano recorda que “por ser inverno”, muitos médicos julgaram que os “muitos casos” que surgiram em janeiro “tivessem sido causados pela gripe”.

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Agora, os especialistas do grupo de trabalho identificam uma fase inicial da epidemia entre 1 de janeiro e 19 de fevereiro. Por isso mesmo, foi pedido a 5.800 doentes que reconstituíssem os dias anteriores a terem os primeiros sintomas, para que os investigadores pudessem também tentar identificar o início do surto.

Até ao momento, sabe-se que o surto em Itália teve origem um homem de 38 anos da vila de Codogno deu entrada no hospital, na região de Lombardia, com sintomas respiratórios e que terá contagiado outros pacientes e profissionais de saúde.

Um turista alemão ou um médico. Afinal, quem é o paciente-zero em Itália?

Também não é descartada a hipótese de o jogo Atalanta-Valencia possa ter sido um fator propagador do vírus. “Viajaram 40 mil pessoas de Bérgamo para Milão nesse dia, para ver o jogo da sua equipa. O estádio estava cheio e depois a festa continuou nos bares. Se o vírus já circulava, essas pessoas ficaram infetadas. Foi uma bomba biológica. Ninguém sabia que o vírus estava entre nós. Muitos vieram ao jogo em grupos organizados e ficaram infetados nessa noite, depois o vírus foi passando de uns para os outros”, disse Giorgio Gori, citado pela Marca, numa opinião que já tinha sido partilhada por médicos.

Presidente de Bérgamo diz que Atalanta-Valencia foi “bomba biológica”: “Se o vírus já circulava, 40 mil ficaram infetados”

Síndrome relacionada com coronavírus identificada em crianças. Há “uma situação” parecida em Portugal

Na terça-feira, as autoridades sanitárias britânicas tinham revelado terem identificado uma síndrome relacionada com o covid-19 entre crianças, que se considerava terem menos risco de desenvolver complicações de uma infeção pelo novo coronavírus. Numa carta dirigida aos médicos, a Associação de Pediatras de Cuidados Intensivos do Reino Unido adiantou que “nas últimas três semanas, houve um aumento aparente no número de crianças de todas as idades com um estado inflamatório multissistémico que requer cuidados intensivos em Londres e também em outras regiões do Reino Unido”.

A informação refere que o problema foi observado em crianças com e sem coronavírus, mas testes mostraram que algumas das crianças já haviam sido infetadas com o coronavírus SARS-CoV-2. Numa comunicação adicional na rede social Twitter, a organização vinca que a complicação, designada por Síndrome Kwasaki, foi identificada num “número pequeno de casos com um quadro clínico invulgar possivelmente relacionado com a covid-19”.

A diretora geral da Sáude confirmou esta quinta-feira que há “uma situação” de uma criança infetada com Covid-19 em Portugal com doença inflamatória semelhante à síndrome de Kawasaki. “Fomos perguntar e há uma situação de quadro clínico pelo menos parecido com os que têm sido descritos na literatura médica”, afirmou Graça Freitas acrescentando que o caso “ainda carece de melhor caracterização”.

*Com Lusa