Quem tiver “uma pontinha de febre ou tosse”, quem “andar a espirrar” e quem tiver “qualquer sinal, por mais leve que seja, de infeção respiratória”, não deve ir. Os pais devem monitorizar as crianças, para perceber se estão constipadas e se é um risco estarem perto dos outros, em especial dos avós. Se houver quintal ou terraço na casa, é preferível fazer a refeição ou encontro ao ar livre. Usar a máscara sempre que possível e retirá-la no momento de comer é recomendável se estiver presente população de risco. Tal como é manter alguma distância física mesmo à mesa, com cuidados especiais com os mais velhos. E, se for possível, adiar esses encontros por pelo menos mais duas semanas seria o ideal.

Estas são algumas recomendações de médicos e infecciologistas ouvidos pelo Observador, depois de a Direção Geral da Saúde ter admitido a possibilidade de serem retomadas as reuniões familiares ou de amigos, como jantares ou almoços em casa. Em mais uma das conferência de imprensa que a DGS tem dado diariamente, o subdiretor geral da Saúde, Diogo Cruz, afirmou que já é possível “jantar em família”, mesmo que esses jantares incluam pessoas que não vivem na mesma casa — ou seja, com familiares e amigos vindos de fora —, desde que “com todos os cuidados”. Continuam, porém, a estar proibidas aglomerações de mais de dez pessoas.

Jantares em família possíveis mas só com todos os cuidados. “Ninguém quer uma segunda onda”, diz DGS

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Que “cuidados extra” podem ser esses? O Observador ouviu as recomendações de Jaime Nina e Cláudia Conceição, médicos infecciologistas do IHMT – Instituto de Higiene e Medicina Tropical, e de Ricardo Mexia, médico de Saúde Pública — do Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge — e presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública. Todos eles deixaram sugestões sobre o que deve ser feito nesses encontros para minimizar o risco, ainda que um prefira ser ainda mais cauteloso.

Apesar de avançar algumas ideias sobre os cuidados a ter, Cláudia Conceição, do IHMT, entende que é cedo para retomar esses encontros. A infecciologista diz que o regresso de “reuniões familiares” com até dez pessoas em almoços e jantares é prematuro e que está “muito preocupada” com as consequências, defendendo que estes encontros só deveriam acontecer, no mínimo dentro, de duas semanas — e, idealmente, apenas em junho, quando for possível perceber o efeito desta primeira fase de desconfinamento na evolução da pandemia.

Criatividade no distanciamento, cautelas com os mais velhos e mãos sempre lavadas

Nenhum dos conselhos pode garantir, com total certeza, que o contágio não acontece. Ainda assim, com alguma disciplina, o risco pode ser mais diminuto. A ideia base é clara: jantares e almoços com família e amigos em casa podem, pela lei, ser retomados, mas nunca da forma como aconteciam antes. E alguns dos cuidados começam ainda na decisão de ir ou não ir. Estes são os 12 conselhos dos especialistas ouvidos pelo Observador.

Se trabalhar em hospitais ou com doentes, evite ir
Para quem trabalha “no contexto de prestação de cuidados de saúde” e está por isso “exposto a um maior risco de desenvolver a doença”, o ideal é mesmo evitar estes encontros familiares, aponta o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia. “Devem tentar abster-se de contactos mais próximo com outras pessoas”.

Se tiver o mais leve sintoma, não vá
“Se alguém tiver uma pontinha de febre, tosse e andar a respirar” e “se alguém tiver qualquer sinal, por mais leve que seja, de infeção respiratória, não deve ir à reunião de família”, defende o infecciologista Jaime Nina. Os pais devem monitorizar as crianças e se estas estiverem “a espirrar, a tossir” ou constipadas, o contacto com outros deve ser evitado. O motivo é este: não se conhecem dados sobre a população infetada e assintomática em Portugal.

A julgar por dados internacionais, alguém não ter qualquer sintoma e ter sido infetado é “mais improvável”, mas a probabilidade de um infetado ter tido “poucos sintomas”, aos quais não atribuiu importância, já pode ser maior, explica o infecciologista Jaime Nina. Basta ver que no país que mais testes fez por milhão de habitante, Singapura, o número de casos detetados sem gravidade, ou com sintomas mais leves de doença, é ímpar (para quase 20 mil casos confirmados, só há 18 óbitos). Não há certezas, mas o número de pessoas com infeção e sintomas leves pode ser grande. “É fácil subestimar [a infeção]. Pode-se ter 37,2ºC ou nem sequer ter febre e ter Covid-19”. Todo o cuidado é pouco.

Lavar as mãos mal se entra em casa
Aqui aplica-se o princípio geral a quem entra em casas: ao entrar, também (mas não só) para um almoço ou jantar em família, “deve-se higienizar as mãos”, explica Ricardo Mexia. É importante evitar “manusear objetos” ou superfícies quando se entra, antes da lavagem das mãos. A infeciologista Cláudia Conceição complementa: “É fundamental. As mãos podem ter mexido em corrimãos, nos botões do elevador, em outros objetos ou superfícies do exterior. Deve-se passar álcool nas mãos logo à entrada ou ir logo à casa de banho lavar as mãos”.

Deixar sapatos ou trocar de roupa? Mal não faz, mas…
A roupa de quem não trabalha em hospitais e de quem não está em ambientes com exposição à Covid-19 “tendencialmente não está contaminada, tal como os sapatos”, pelo que trocar de sapatos à entrada — ou trocar de roupa se habitar na casa em que a reunião familiar acontece — não é obrigatório. “É improvável que seja via de transmissão”, aponta Ricardo Mexia. Porém, “se puder haver cautela extra e se se puder deixar os sapatos à porta, melhor” — mal não faz. Jaime Nina subscreve: “A transmissão direta é, tanto quanto se sabe, muito pouco relevante” e a maior parte das infeções propaga-se “dentro de casa” e entre “familiares próximos” por “tosse, espirro ou fala”.

Máscara? Deve imperar o bom senso
Para o infecciologista Jaime Nina, “a coisa mais importante” é as reuniões familiares não incluírem ninguém que tenha qualquer sintoma de doença, por mais leve que seja. Se estiver alguém levemente constipado ou com alergias, algo que não deve acontecer idealmente, “é preciso usar sempre máscara”. Já Ricardo Mexia aponta: “Na prática, a questão é: não podemos ter a máscara enquanto comemos. Temos de usá-la tanto quanto possível, sim. Se for possível, em casas ou espaços amplos, “manter a distância e reduzir o risco”, pode ser menos necessário. Sobretudo ao ar livre.

Manter a distância física, tanto quanto possível
O que tem sido recomendado de distância entre pessoas é, no mínimo, dois metros. “Agora, temos de pensar em quantas pessoas conseguem ter uma mesa suficientemente grande em sua casa para que cada elemento da família possa estar a dois metros de todos os outros”, lembra Ricardo Mexia.

E se for impossível manter distanciamento ideal? Ser-se criativo
Se for impossível manter os dois metros de distância que são recomendados como mínimo ideal, deve manter-se o máximo de distância possível e para a população de risco deve haver especial proteção: se necessário e possível, os mais velhos podem ficar a uma ponta e mais “isolados” à mesa, caso não seja possível manter todos os familiares sentados a dois metros uns dos outros. Ou, como admite Ricardo Mexia, colocar “os mais vulneráveis”, que à partida terão estado mais confinados nos dias anteriores, “num lado da mesa” e os outros “no outro”. A utilização de máscara e evitar o toque podem ser outras medidas a adotar quando se está perto de algum familiar que faça parte da população de risco. Porém, Jaime Nina lembra que o objetivo das reuniões de família passa por tentar “diminuir a distância”, pelo que é preciso avaliar caso a caso, até porque “a solidão é um problema grave em idosos” e em Wuhan “o número de suicídios de idosos disparou no período de confinamento”.

Se possível, no quintal ou terraço é (muito) melhor
Se for possível almoçar e jantar em família ao ar livre, é sempre preferível a fazê-lo numa sala de estar e em espaço fechado. “Se o tempo colaborar, ao ar livre é muito mais seguro”, explica Jaime Nina. Porquê? “Há sempre um bocadinho de vento, uma aragem, que dilui qualquer que vírus que uma pessoa que tenha um ataque de tosse mande para o ar”, desde logo. “O ar livre permite que, mesmo mediante um ataque de tosse, as partículas do vírus fiquem diluídas” — e é a quantidade grande de partículas que mais preocupa e origina infeções. Por outro lado, o sol e a radiação ultravioleta “matam os vírus mais rapidamente”. Ricardo Mexia corrobora: “É preferível ao ar livre. É um ambiente mais ventilado, que é melhor do que um ambiente de espaços fechados”.

E se tiver de ser em espaço fechado? Haja ventilação
Se uma família não tiver um quintal e um terraço próprio e tiver de fazer o almoço ou jantar em família em espaço fechado, então a circulação de ar deve ser a máxima possível. “Manter uma boa ventilação ajuda a reduzir o risco”, lembra Ricardo Mexia.

Piquenique? Já não é tão boa ideia
Apesar de ser preferível que os almoços ou jantares de família aconteçam ao ar livre e não em espaços fechados, fazê-los em espaços públicos, como jardins, para quem não tiver um terraço ou um quintal, pode trazer problemas. “O espaço público tem sempre o problema de não se poder controlar outras pessoas externas. Há sempre a hipótese de poderem aparecer pessoas. O espaço público é mais difícil de controlar”.

Reduzir os contactos físicos pode atenuar riscos
Embora seja complicado gerir os contactos físicos em família, tentar ver se, “na medida do possível”, estes podem ser dispensados sem prejuízo grave para a saúde mental é recomendável. “Sempre que for possível só conversa, sem contacto físico, melhor. É complicado gerir e há que avaliar as situações. Normalmente não se organizam refeições de família assim. Mas é preciso um bom senso muito grande”, alerta a infecciologista Cláudia Conceição. Na prática: se puder não beijar ou abraçar os familiares e amigos que chegaram para o almoço ou jantar, é mais seguro para todos.

Quanto menos juntos à vez, menos arriscado
Para Cláudia Conceição, que considera jantares com familiares que não habitam no mesmo espaço “prematuros” nesta fase — algo que tendencialmente “não deveria acontecer nas próximas duas semanas” — há casos em que um membro da família poderá estar com problemas graves de solidão ou saúde mental que justificam exceções. Mas mesmo aí “escusa de ser a família toda ao mesmo tempo”, porque quanto menos pessoas estiverem juntas no mesmo espaço em simultâneo, menos riscos existem. Assim, o conselho é simples: se em vez de dez — como passou a ser permitido — puderem estar menos, tanto melhor.