O ex-ministro brasileiro Sérgio Moro denunciou, em depoimento à justiça, que o Presidente, Jair Bolsonaro, queria controlar a Polícia Federal do Rio de Janeiro através da indicação de um novo superintendente para aquele departamento.

“Moro você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”, terá dito Bolsonaro ao ex-ministro da Justiça, segundo o depoimento prestado por Moro no último sábado, numa investigação que tenta esclarecer uma suposta interferência ilegal do chefe de Estado na Polícia Federal, um órgão autónomo.

Segundo Moro, a “pressão” para substituir o superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro, mudança que foi confirmada na terça-feira por Bolsonaro, começou no final de agosto de 2019 e cresceu até há algumas semanas, quando o mandatário lhe disse que poderia ser demitido caso não aceitasse essa alteração.

As alegadas “pressões” e “interferências” de Bolsonaro na Polícia Federal são investigadas pela Procuradoria Geral da República do Brasil, sob a supervisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e, se comprovadas, podem levar o Presidente a ser submetido a um julgamento, ou até mesmo à sua destituição do cargo presidencial.

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Moro reiterou no seu depoimento que decidiu finalmente renunciar ao cargo de Ministro da Justiça, que ocupava desde janeiro de 2019, quando Bolsonaro lhe comunicou a sua irreversível decisão de substituir o então diretor geral da Polícia Federal Mauricio Valeixo, sem motivo aparente.

Como substituto, Bolsonaro disse que indicaria o comissário Alexandre Ramagem, conhecido publicamente como amigo da família Bolsonaro, ao qual Moro se opôs categoricamente e optou por renunciar ao cargo de ministro, em 24 de abril.

Dias depois, Bolsonaro efetivamente nomeou Ramagem como diretor da Polícia Federal, mas a indicação foi anulada após um juiz do STF ter decretado a sua suspensão, devido, justamente, à proximidade do agente à família do governante, principalmente a dois dos seus filhos, investigado por essa instituição.

Bolsonaro nomeou então Rolando De Souza, considerado “braço direito” de Ramagem, que assumiu o cargo apenas uma hora depois de ser nomeado, na segunda-feira.

Logo após ter tomado posse, Rolando De Souza atendeu ao desejo de Bolsonaro, e retirou Carlos Henrique Oliveira do comando da superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro.

Na manhã de terça-feira, Bolsonaro confirmou que Carlos Henrique Oliveira deixará a superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro e passará para a subdireção nacional do órgão.

Bolsonaro sustentou que se tratou de uma decisão interna da instituição, na qual não “interferiu”, embora tenha-se recusado a responder a perguntas sobre o assunto e mandado “calar a boca” de jornalistas que tentaram esclarecer o tema.

Quando anunciou a saída de Mauricio Valeixo da direção da Polícia Federal, Bolsonaro declarou que se tratou de um pedido do próprio, justificado por “cansaço”. Contudo, segundo Moro, a exaustão devia-se às “próprias pressões do Presidente”, e que Bolsonaro comunicou a Valeixo que colocaria, em Diário Oficial da União”, que a exoneração seria “a pedido” do então diretor.

Moro disse ainda que Bolsonaro tentou indicar outros nomes para a Polícia Federal, mas que “não tinham qualificação necessária para o cargo” e tinham também ligações à sua família.

De acordo com os documentos revelados pela Justiça, Moro, que ficou famoso como magistrado da operação anticorrupção Lava Jato e por condenar vários empresários e políticos, incluindo o ex-Presidente do país Luiz Inácio Lula da Silva, esclareceu que nunca afirmou que Bolsonaro “poderia ter cometido qualquer crime” e “que essa avaliação cabe às instituições competentes”.

Segundo o ex-juiz, a suspeita de possíveis crimes veio da Procuradoria Geral da República, quando pediu ao Supremo Tribunal que investigasse as declarações que proferiu ao renunciar ao Governo.

De acordo com o testemunho de Moro à justiça, as “pressões” que afirma ter sofrido por parte de Bolsonaro foram testemunhadas por alguns ministros e até gravadas em vídeo pela Presidência, em algumas reuniões do executivo.

No âmbito da investigação, o Ministério Público solicitou ao Supremo Tribunal uma audição dos ministros da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, Augusto Heleno, e da Casa Civil, Braga Netto, “para o esclarecimento dos factos”, assim como a deputada federal Carla Zambelli, aliada de Bolsonaro e mencionada nas alegadas provas apresentadas por Sergio Moro.

Na tarde de terça-feira, o STF aprovou o pedido da audição dos ministros, da deputada e delegados da Polícia, assim como a entrega de gravação da reunião em que os ministros testemunharam as alegadas acusações de Moro contra Bolsonaro.