93 anos. Desde 1913 e até 2006, o Arsenal jogou no Arsenal Stadium. Um estádio com um nome algo redundante mas que nunca teve propriamente esse problema: afinal, o recinto onde chegaram a caber mais de 70 mil pessoas sempre foi e sempre será Highbury, o distrito do norte de Londres onde ficava e que acabou por batizar de forma não oficial o estádio. Foi naquela atmosfera, entre o sempre impecável relvado verde e a Clock End, a bancada Sul que tinha um imponente relógio, que o Arsenal foi campeão inglês em 13 ocasiões, que conquistou a extinta Taça dos Campeões Europeus em 1994 e que em 2004 se tornou a ainda única equipa a ganhar a Premier League sem sofrer qualquer derrota.

Ora, foi precisamente há 14 anos, no dia 7 de maio de 2006, que o Arsenal se despediu de Highbury. Na última jornada da Premier League da temporada 2005/06, os gunners recebiam o Wigan, que estava a meio da tabela, e estavam obrigados a vencer para garantir o último lugar de apuramento para a Liga dos Campeões do ano seguinte. O Chelsea de José Mourinho já era campeão, o Manchester United de Cristiano Ronaldo já era segundo, o Liverpool já tinha assegurado a presença no pódio e o Arsenal precisava dos três pontos para ficar à frente do eterno rival Tottenham e disputar a liga milionária em 2006/07. O jogo, além da despedida do estádio, marcava ainda o final da carreira de Dennis Bergkamp, o avançado holandês que hoje em dia tem uma estátua no recinto do clube.

Arsenal v Wigan Athletic

O último jogo, contra o Wigan, com a mítica Clock End em pano de fundo

A equipa de Arsène Wenger abriu o marcador ainda dentro dos primeiros 10 minutos, com um golo de Robert Pires, mas o Wigan empatou pouco depois por intermédio de Paul Scharner e colocou-se mesmo em vantagem ao passar da meia-hora, por David Thompson. O problema do Wigan — e a sorte do Arsenal — é que os gunners tinham nas fileiras aquele que ainda é o melhor marcador da história do clube, que envergou durante vários anos a braçadeira de capitão e que é ainda hoje um dos heróis da equipa. Thierry Henry, aos 35′, aos 56′ e aos 76′, assinou um hat-trick que deu a vitória ao Arsenal e catapultou o clube para a Liga dos Campeões do ano seguinte. Depois do terceiro golo, marcado de grande penalidade, Henry ajoelhou-se e beijou o relvado de Highbury, ciente de que tinha acabado de marcar o último golo da história do estádio.

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Foi a última alegria que os milhares de adeptos que naquele dia de maio se deslocaram a Highbury tiveram no mítico estádio. Vestidos com camisolas brancas e vermelhas onde se lia I was there, “eu estive lá”, os adeptos gunners despediram-se do relvado verde e da Clock End e abriram a porta a uma nova era na história do clube. Os jogadores, esses, largaram por uma tarde o vermelho vivo e atuaram com um equipamento especial cuja camisola era de um vermelho escuro — tal como era a da equipa que, em 1913, inaugurou Highbury. Nas meias, na parte de trás, estavam duas datas: 1913-2006, os 93 anos de um Arsenal Stadium que nunca teve realmente esse nome.

Depois de marcar o terceiro golo, Henry ajoelhou-se e beijou o relvado de Highbury

Ali perto, nasceu o novo Emirates Stadium, inaugurado em julho de 2006 e casa do Arsenal há 14 anos. O velhinho Highbury, porém, não foi totalmente destruído. Parte da fachada manteve-se, incluindo a parede onde ainda se lê, em garrafais letras vermelhas, Arsenal. É agora um luxuoso condomínio privado, onde os residentes passeiam em jardins que ficam onde um dia Thierry Henry se ajoelhou para beijar um relvado. Os novos escritórios do clube, transferidos para um escritório adjacente ao novo estádio, foram batizados como Highbury House. E o relógio, o característico relógio que adornava a Clock End, foi retirado e colocado sobre a porta principal do Emirates. 14 anos depois, ainda que não no mesmo sítio, Highbury — ou a “casa do futebol”, como os adeptos lhe chamavam — está no sangue de tudo aquilo que é o Arsenal.

Esta quinta-feira, Thierry Henry esteve no programa “The Football Show”, da Sky Sports, e conversou com Harry Redknapp sobre o estádio. “É difícil colocar em palavras o que Highbury significava para mim ou para os adeptos do Arsenal. Na altura, as pessoas acharam que beijei o relvado porque ia sair para o Barcelona. Na verdade, beijei o relvado porque sabia que tinha acabado. Nunca ia voltar a jogar no meu jardim. Nunca iria voltar a ver aquela relva logo de manhã, quando estávamos na reunião. Costumava passar pelo campo e dizer: ‘Vejo-te mais tarde'”, disse o antigo jogador francês, que acabou mesmo por sair para o Barcelona mas só em 2007. Em 2012, emprestado pelo New York Red Bulls, voltou ao Arsenal para jogar dois meses e ainda marcou um golo.

“Tenho grandes memórias. Algumas más, ainda que tenha mais memórias boas do que más. Toda a gente adorava jogar em Highbury. Não sei o que era. Nunca lá voltei, são apartamentos agora mas recuso-me a ir. É demasiado difícil para mim. Sei que é estranho mas não há nada acima de Highbury para mim. Joguei em muitos estádios, estádios maiores, estádios mais bonitos no que toca à forma como foram desenhados. Mas Highbury é Highbury e vai sempre ser. Nada, para mim, pode competir com Highbury”, acrescentou Henry. Esta sexta-feira, quase de propósito, o Arsenal lança um documentário sobre a passagem do francês pelo clube londrino.