O antigo ministro da Economia António Pires de Lima, que em 2013 concretizou a nível legislativo a Estratégia de Fomento Industrial do antecessor Álvaro Santos Pereira, garante que esta chegou “ao terreno” e ajudou o país “a ultrapassar a recessão”.

“Muitas das medidas que constavam desse plano para a reindustrialização foram postas em prática e ajudaram – não quer dizer que tenham sido determinantes, mas ajudaram o país – a ultrapassar a recessão, a entrar numa rota de crescimento, a criar emprego e a ter vivido sete anos consecutivos de crescimento económico”, afirmou o ex-ministro de Pedro Passos Coelho em entrevista à agência Lusa.

O tema da reindustrialização da economia voltou a surgir no debate público na sequência da atual crise económica provocada pela pandemia de Covid-19.

Numa recente entrevista à Lusa, o primeiro-ministro, António Costa, sustentou que “a Europa vai ter seguramente de compreender que vai ter de reforçar muitíssimo a sua base industrial”, considerando indispensável que Portugal estivesse “na primeira linha” desse “reforço da capacidade de produção nacional”, até porque é dos países onde ainda se sabe “fazer muitas das coisas que a Europa se habituou a deslocalizar para o Oriente.”

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Na quarta-feira, também o ministro dos Negócios Estrangeiros garantiu que “Portugal quer estar na linha da frente da reindustrialização e pôr ao serviço da Europa as suas enormes capacidades em matéria industrial”.

“Fala-se do têxtil e do vestuário, do calçado, mas também de engenharia, farmacêutica e agroalimentar. Portugal quer ser um fator de industrialização, um cluster industrial poderoso na Europa da reindustrialização”, afirmou Augusto Santos Silva durante uma audição da comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação.

De acordo com António Pires de Lima, “muitas das medidas” por si implementadas entre 2013 e 2015 tinham a ver não só com a indústria, mas também com o que se chamava de “novas classes de serviços”, que vieram a fazer de Portugal um dos centros mundiais mais atrativos para a localização de empresas de serviços em diferentes áreas, desde tecnológicas, às ligadas ao marketing e à ciência”.

Como exemplo, avançou iniciativas de caráter fiscal, como a reforma do IRC, e a legislação que criou incentivos (“de natureza fiscal e não só”) dirigidos ao “ecossistema das startup” e que permitiram fazer com que Portugal fosse capaz promover a constituição “de 30 mil novas empresas por ano”.

O reconhecimento dessa aposta veio mais tarde com a negociação que conseguiu trazer para Portugal, ainda no meu governo, a ‘Web Summit’, e com a definição de condições que tornaram Portugal especialmente atrativo para polos de serviços ligados à indústria”, sustenta.

A Estratégia de Fomento Industrial para o Crescimento e o Emprego 2014-2020 foi lançada por Álvaro Santos Pereira em abril de 2013, mas acabaria por só ser concretizada do ponto de vista legislativo no final desse ano, já com António Pires de Lima a ocupar o cargo de ministro da Economia.

À Lusa, Pires de Lima recorda que a estratégia assumida pelo governo que integrou foi de uma “industrialização moderna e que apostava nos serviços”, mas que previa ainda “medidas concretas de apoio aos setores industriais mais tradicionais”, e que esteve na base do retomar da “trajetória de crescimento do país ao longo de 2013, 2014 e 2015, e do facto de, pela primeira vez, Portugal ter conseguido equilibrar a sua balança comercial de bens e serviços”.

A estratégia foi para o terreno. Algumas áreas e medidas com maior sucesso, outras menos bem-sucedidas, mas foi para o terreno, e muitas áreas que hoje em dia constituem o grosso daquilo que é a nossa coluna de empresas exportadoras tiveram um forte incentivo”, garante António Pires de Lima.

Segundo o ex-ministro da Economia, o governo que integrou “acreditava mais na iniciativa e na liberdade das pessoas do que, propriamente, na definição estatizada daquilo que é o desenvolvimento da economia”, pelo que privilegiou a criação de “medidas que ajudassem ao desenvolvimento das várias áreas de iniciativa dos empresários, identificando alguns ‘clusters'”.

“Lembro-me, ao nível industrial, do setor automóvel e dos componentes automóveis e do setor da metalomecânica e do setor aeronáutico, que desenvolveram iniciativas empresariais muito importantes ligadas, por exemplo ao polo de Évora”, disse, apontando ainda as iniciativas desenvolvidas “no setor de componentes eletrotécnicos, nomeadamente ligado a Aveiro e a Braga”.

“Aquilo que procurávamos era identificar áreas onde Portugal podia ser especialmente competitivo e pôr esses setores a funcionar em rede, criando estímulos para que as indústrias se organizassem do ponto de vista associativo e setorial”, salientou.

Neste contexto, disse, as indústrias do calçado, mobiliário e vestuário foram “particularmente hábeis” na constituição de fileiras que lhes permitiram “melhor beneficiar dos apoios do Estado“.

Certo de que a atual crise associada à pandemia de Covid-19 “veio acelerar muitíssimo a transformação da indústria para o caminho do digital”, o economista acredita que “o grande passo que acabará por ser dado (ou acelerado) é a oferta mais digitalizada de serviços que tradicionalmente conheciam outras formas de distribuição”, assim como “a organização do trabalho de uma forma mais virtual e digitalizada”.

Neste contexto, sendo Portugal “conhecido como um país que produz produtos e serviços de valor acrescentado importante, mas com um custo acessível”, se souber posicionar-se bem poderá beneficiar da “nova reorganização da produção que poderá ditar uma deslocalização de alguns setores ou indústrias da China e do Oriente para os países ocidentais”.

“A dependência que todos os países ocidentais conheceram da Ásia e, em particular, da China nesta crise sanitária vai seguramente ter consequências e haverá uma orientação para que os países, ou pelo menos a região europeia, diminua esta dependência e tenha um maior nível de autossuficiência em alguns produtos e serviços que são essenciais. Portugal, como país com ‘know how’ e, ao mesmo tempo, competitivo do ponto de vista de custos, pode posicionar-se bem nesta reorganização da produção”, sustenta.

Para que tal aconteça, Pires de Lima entende que, “mais do que um mega plano de investimento público, é necessário voltar a estimular a economia tanto do ponto vista fiscal como orçamental, para que os empresários possam reorientar as suas prioridades de investimento para setores que até aqui estavam muito centrados, em termos de produção, nos países do Oriente”.

“Creio que o facto de haver uma procura de determinados bens por parte do Estado e de entidades como o Serviço Nacional de Saúde desperta de imediato a capacidade de investidores e empresários nacionais para produzirem certos produtos e serviços que, de outra forma, não teriam produção local”, refere, apontando como “num curto espaço de tempo (menos de um mês) alguns bens que se importavam da China começaram a ser produzidos em cadeias de abastecimento locais”.

Patrícia Dinis, da agência Lusa