A conferência de imprensa era sobre as 20 medidas que o Bloco de Esquerda tem em carteira para “garantir a segurança e a proteção no desconfinamento”, mas foi o tema da nova injeção de capital no Novo Banco que mais incomodou a coordenadora do Bloco de Esquerda. É que ontem, no debate quinzenal, o primeiro-ministro garantia ao Bloco de Esquerda que, “até haver resultados da auditoria, não haverá qualquer reforço do empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução” para injetar dinheiro no Novo Banco. Acontece que, tal como o jornal Expresso avançou, uma nova tranche de empréstimo de 850 milhões dos contribuintes ao Fundo de Resolução, que já estava prevista desde fevereiro, foi enviada para o banco precisamente esta semana.

“O primeiro-ministro deu-me nota de que me tinha dado uma informação errada porque não tinha conhecimento”, explicou Catarina Martins aos jornalistas quando questionada sobre este episódio. Sem querer revelar detalhes da “conversa privada” que teve com o primeiro-ministro, a coordenadora bloquista lançou-se às críticas sobre a injeção de capital público num banco privado numa altura em que o dinheiro do Estado é tão importante para proteger os portugueses e dar resposta à crise.

Catarina Martins lembra que o primeiro-ministro, por diversas vezes, tinha dado garantias de que “não haveria injeções no Novo Banco sem conhecer a auditoria, e ninguém compreende que o Estado coloque dinheiro no Novo Banco sem saber o que aconteceu desde a última vez que lá pôs dinheiro. É como colocar dinheiro num buraco negro”, resumiu, sublinhando que “a falta de transparência agrava um problema que já era enorme: pagar a um banco privado com dinheiro público para ele fazer o que entende”.

Em causa está o facto de o primeiro-ministro ter dado esta garantia ontem, no debate quinzenal: “A resposta que tenho para lhe dar não tem grande novidade relativamente à última vez que me fez a pergunta, ou seja, a auditoria está em curso e até haver resultados da auditoria não haverá qualquer reforço do empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução para esse fim”. Problema: esta semana já tinham sido injetados mais 850 milhões sob a forma de empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução, uma tranche que já estava prevista desde o anúncio dos prejuízos de 2019 do Novo Banco (mais de mil milhões de euros), em fevereiro, e estava também previsto no Orçamento do Estado deste ano, que deu luz verde a um financiamento ao Fundo de Resolução para o efeito.

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Ou seja, Costa poderia estar a referir-se à ideia de que não serão feitas transferência futuras naquele banco sem que se conheça a auditoria, o que não invalida que se façam as transferências já acordadas no passado. Mas isso ficou por explicar.

Costa não sabia que Finanças tinham feito pagamento ao Fundo de Resolução. Deu informações erradas no Parlamento e pediu desculpa ao BE

De acordo com a resposta do gabinete do primeiro-ministro ao Expresso, António Costa “apresentou desculpas ao Bloco de Esquerda” pelo lapso no debate quinzenal e por ter dado uma resposta “desconhecendo que o ministério das Finanças já tinha ontem [quarta-feira] feito o pagamento contratualmente previsto”. O pedido de desculpas foi confirmado pelo Observador junto do BE.

Certo é que Catarina Martins não gostou de ver que o Estado continua a pôr dinheiro num banco privado “sem saber o que se passa lá dentro”, sabendo-se apenas que “estamos a pagar créditos que não foram pagos por outros”. “E quem são esses que não pagaram?”. Se forem os “mesmos do costume”, aí está o caldo entornado. “O Novo Banco está a receber milhares de milhões de euros públicos sem nós sabermos para que é que está a usar o dinheiro, se está a gerir bem ou não, ou se está a usar imparidades cedo de mais para dar bónus aos acionistas”, atirou, referindo-se a notícias sobre o facto de o Novo Banco estar a distribuir bónus a gestores em plena crise pandémica.

20 medidas para o desconfinamento: preço das máscaras e álcool-gel deve ser tabelado

Não querendo contabilizar já o custo das medidas, porque a urgência agora é a da proteção dos trabalhadores e das pequenas empresas para aguentarem durante a crise, Catarina Martins apresentou aos jornalistas esta sexta-feira um conjunto de 20 medidas que o BE vai apresentar ao governo, e que vai verter sob a forma de iniciativas legislativas no Parlamento. A coordenadora do BE até citou Mário Centeno, numa entrevista que deu ontem, para dizer que, apesar de não ser comum, até “concorda em absoluto” com o ministro das Finanças: este é o momento de avançar com medidas urgentes, e depois logo se verá. “A proteção é essencial, além de que o que não for gasto agora será gasto no futuro nos custos sanitários, na segurança social, na recessão prolongada”, disse.

Assim, sem parcimónia ou poupança, as 20 medidas do Bloco vão desde a proteção na saúde à proteção na comunidade. É aí que se encontram medidas como a ideia de tabelar o preço das máscaras, álcool gel e outros produtos de proteção e desinfeção, para evitar a especulação dos preços, e devendo haver penalizações para quem o faça. Ou medidas como a criação de linhas de apoio às autarquias para programas de higienização dos espaços e transportes públicos, disponibilização de álcool gel nos locais de maior concentração de pessoas e distribuição gratuita de máscaras à população; ou ainda de aumento da oferta de transportes públicos, com maior complementaridade entre os vários tipos de transporte para evitar sobrelotação. Catarina Martins deu o caso da linha de Sintra que deve ser complementada com mais oferta rodoviária, para as carruagens não irem cheia nas horas da manhã e fim do dia. “Não podemos ter as pessoas a comprar mascaras caríssimas e a circular em transportes públicos lotados”, disse.

Outras medidas passam pela proteção dos grupos de risco, devendo os doentes hipertensos e diabéticos voltar a ser incluídos no decreto que lhes permite trabalhar a partir de casa ou ser dispensados do trabalho sem perda de remuneração; ou pela proteção do trabalho, emprego e economia, propondo o Bloco de Esquerda que os trabalhadores que estavam na área do turismo tenham formação específica para ser redirecionados para áreas de trabalho relacionadas com cuidados e higiene, por exemplo.