Realizado por Laurent Bouzereau, co-produzido, narrado e tutelado por Natasha Gregson Wagner, filha de Natalie Wood e de John Gregson, seu segundo marido, “Natalie Wood: What Remains Behind” é um documentário da HBO que se apresenta em parte como um tributo de Natasha à mãe, e em parte como uma visita guiada à sua vida privada e à sua carreira, feita por alguém em posição privilegiada. E que quer também pôr em pratos limpos o caso da morte por afogamento de Natalie Wood, em circunstâncias ainda hoje não totalmente esclarecidas, ocorrida a 29 de Novembro de 1981, no barco dela e do marido, Robert Wagner, ancorado ao largo da Ilha de Catalina. A bordo estavam apenas Wood, Wagner, Christopher Walken, com o qual ela estava a rodar “Projecto Brainstorm”, e o comandante da embarcação, Dennis Davern. (O “dossier” da sua morte continua aberto na Polícia de Los Angeles).

[Veja o “trailer” de “Natalie Wood: What Remains Behind”:]

O documentário é muito melhor quando se demora, de forma convencional mas plenamente convincente, no percurso artístico, na afirmação do talento e no retrato humano de Natalie Wood, nas suas facetas pública, familiar e íntima. Ela foi uma das poucas estrelas infantis e adolescentes, protagonista de filmes inócuos e esquecíveis, que conseguiu tornar-se numa “atriz séria”, como ela própria dizia, e fazer a transição para um patamar de representação superior, sendo dirigida por realizadores como Nicholas Ray, Elia Kazan, Robert Wise, Robert Mulligan, Francis Ford Coppola ou Blake Edwards, e deixando interpretações superlativas em “Fúria de Viver”, “Esplendor na Relva”, “Amor Sem Barreiras”, “Amar um Desconhecido” ou “O Estranho Mundo de Daisy Clover”, entre outros.

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[Veja uma entrevista com o realizador e com Natasha Gregson Wagner:]

Graças a uma profusão de “home movies” e fotografias nunca vistas, e aos depoimentos de filhas, enteados, de John Gregson (pai de Natasha), de Robert Wagner (com o qual a atriz se casou duas vezes e era o homem da sua vida), colaboradores e amigos íntimos, famosos ou não, Natalie Wood aparece como o oposto de Judy Garland. Teve uma mãe possessiva, controladora e egoísta, que a meteu ainda criança no mundo do espectáculo, mas não se deixou dominar por ela; sabia o que queria, lutou por isso e conseguiu bater o pé aos grandes estúdios para controlar a carreira (chegou a estar suspensa por Jack Warner durante ano e meio), escolher bons papéis e realizadores e gerir a sua imagem; e procurou não descurar a vida pessoal e familiar apesar das exigências da fama e das ambições como atriz, e conseguiu-o, mesmo com alguns tropeções e percalços.

[Veja um excerto do filme:]

Apesar destes, das crises e dos momentos sombrios ocasionais (há notícia de pelo menos uma tentativa de suicídio) e de muita ida a psicanalistas, Natalie Wood surge como uma das celebridades mais “normais” (à falta de uma palavra melhor) de Hollywood, tão carismática e fascinante na tela como despretensiosa e descontraída na vida privada: uma estrela de cinema terra-a-terra. E mãe e madrasta devotadíssima, mulher apaixonada, boa amiga, irmã atenciosa e filha paciente, dedicada à família e aos amigos, a tentar fazer sempre cada vez melhor, e até mesmo a correr riscos, no seu trabalho. O juízo elogioso que o seu colega e grande amigo Robert Redford (que lhe deve o papel que o lançou no cinema em “O Estranho Mundo de Daisy Clover”) lhe faz a certa altura é certeiríssimo, e o filme cita um artigo que Wood escreveu para uma grande revista feminina em 1966, e que não foi publicado, onde ela discorre com toda a franqueza e detalhe sobre o primeiro casamento falhado com Robert Wagner e os seus sentimentos, frustrações, alegrias e anseios pessoais e profissionais.

[Veja um excerto do filme:]

Quando Laurent Bouzereau e Natasha Gregson Warner se centram na morte de Natalie Wood, o filme torna-se mais problemático. É perfeitamente compreensível que ela, e a família e os amigos da atriz apresentem o seu ponto de vista sobre o assunto e o defendam. Estão no seu pleno direito, mesmo porque “Nathalie Wood: What Remains Behind” não é um documentário jornalístico de investigação, exaustivo e independente. Natasha tem, nomeadamente, uma conversa aberta e muito emocionada com o padrasto Robert Wagner em que este recorda com detalhe o sucedido naquela noite de 29 de Novembro de 1981, quando Natalie Wood perdeu a vida nas “águas negras” que tanto temia, admite que havia bebido demais, que tinha embirrado injustificadamente com Christopher Walken e ficado irritado ao ponto de partir uma garrafa na mesa do salão do barco.

[Robert Redford recorda Natalie Wood:]

Wagner soa totalmente sincero e parece estar fora de questão haver suspeitas de crime. Aparentemente, Natalie Wood teria bebido demais e tomado calmantes e, quando foi ajeitar o bote de borracha, cujo barulho a bater no iate a incomodava, caiu à água e afogou-se sem conseguir pedir socorro. O filme, no entanto, não toca na possibilidade de suicídio, aventada pela investigação oficial; Dennis Davern, que há alguns anos publicou um livro desdizendo o que declarou na altura da tragédia à polícia, não é ouvido para dar a sua versão; não há referências às pequenas lesões e arranhões que foram encontrados no corpo da atriz e são referidos na adenda de 2013 ao relatório da autópsia; e o interesse dos media no caso é reduzido ao sensacionalismo mórbido dos tablóides, postos no mesmo saco dos jornalistas e autores que o têm pesquisado com seriedade, e das afirmações da irmã de Natalie, Lana Wood, que acusa Wagner da morte dela.

[Veja um excerto de “Esplendor na Relva”, de Elia Kazan:]

A relação de Natalie Wood, quando era ainda uma menor de 16 anos, com Nicholas Ray, então com 44, é referida apenas de raspão, tal como o caso da sua possível violação, na mesma altura, por uma conhecida estrela de Hollywood no hotel Chateau Marmont, documentado por Suzanne Finstad na sua biografia de referência, “Natasha”. Isto reforça a intenção de Natasha Gregson Warner de contornar aspectos mais sensíveis e controversos da vida da mãe, ou, no caso da sua morte, dá-lo como explicado e encerrado, unilateralmente Neste particular, “Natalie Wood: What Remains Behind” não é concludente nem persuasivo. O mesmo já não acontece enquanto afetuosa e tocante evocação e homenagem de uma filha à sua carinhosa e talentosa mãe, e de tudo de bom e inesquecível que ela deixou, para os seus e para o público.  

“Natalie Wood”: What Remains Behind já está disponível na HBO