O constitucionalista português Jorge Bacelar Gouveia considera que o Presidente da República timorense teve vários comportamentos que são “violadores da Constituição”, por não preservarem a normalidade institucional, num parecer pedido pelo CNRT.

O parecer, a que a Lusa teve acesso, foi feito no final de abril em resposta a um conjunto de 10 perguntas sobre a constitucionalidade de vários atos do Presidente da República formuladas pelo presidente do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), de Xanana Gusmão.

“Os diversos atos que integram o comportamento geral do Presidente da República enunciados na consulta deste parecer são violadores da Constituição da República Democrática de Timor-Leste, na medida em que põem em causa um dever geral de agir em prol da preservação da normalidade institucional, provocando antes uma interrupção no seu normal funcionamento“, escreve o constitucionalista.

Tratam-se, considera, de “atos políticos inconstitucionais do Presidente da República” cujas consequências jurídicas e materiais, “acarreta o nascimento contra o autor dos respetivos comportamentos de responsabilidades penal, civil e política“.

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Entre outros, Bacelar Gouveia diz que a decisão do Presidente da República não dar posse a nove membros indigitados do atual governo “constitui violação clara e grave das obrigações constitucionais” do chefe de Estado, Francisco Guterres Lu-Olo.

Considera ainda que Lu-Olo “não pode manter no poder, em funções normais, o senhor primeiro-ministro por este lhe ter sido indigitado por uma aliança de partidos políticos que se rompeu e conduziu à perda da maioria parlamentar” que suportava o atual Governo.

Além disso, e porque desde 18 de março Timor-Leste passou a estar há mais de 60 dias sem Orçamento Geral do Estado (OGE), a aceitação do pedido de demissão do primeiro-ministro – sobre o qual Lu-Olo nunca se pronunciou – “passou a ser obrigatória, para o Presidente da República, e necessária para assegurar o normal e regular funcionamento das instituições democráticas”.

“A manutenção no poder do atual primeiro-ministro e do seu governo, além de ser constitucionalmente insustentável face à exigência constitucional da existência de uma maioria parlamentar que suporte politicamente o governo, constitui desvio do exercício dos poderes-deveres que a Constituição atribui ao Presidente da República”, escreve.

Considera igualmente inconstitucional a decisão de Lu-Olo aceitar, dois meses depois de ser apresentada, a retirada do pedido de demissão de Taur Matan Ruak.

O parecer qualifica ainda como uma “violação (…) clara e grave” das obrigações constitucionais o facto de não ter tomado uma decisão sobre a indigitação de Xanana Gusmão como novo primeiro-ministro, apoiado por uma nova maioria parlamentar.

Segundo o documento, o chefe de Estado mostrou “absoluta falta de isenção e equidistância dos partidos políticos”, atuando de forma “política e moralmente inaceitável” ao “tentar convencer pequenos partidos a associarem-se em coligação com o partido Fretilin e com o partido PLP para formarem Governo”.

O CNRT pediu ao Tribunal de Recurso a fiscalização abstrata da constitucionalidade de várias ações do Presidente da República nos últimos meses, mas aquela instância considerou que a ação apresentada não tem “qualquer apoio no texto e no espírito” da Constituição e indeferiu a petição.

Advogados do CNRT disseram que vão reformular o pedido e que voltarão a entregar nova petição no Tribunal de Recurso.

No parecer, o professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade Autónoma de Lisboa, analisa ao longo de 134 páginas várias questões sobre a suposta “inconstitucionalidade dos comportamentos do Presidente da República” desde junho de 2018.

Comportamentos que levaram ao atual “momento político constitucional que se vive” no país, com um “já longo impasse político e uma grave crise institucional que não permite – e parece que não permitirá – a aprovação do Orçamento Geral do Estado por um período superior a sessenta dias”.

“A descrição da situação político-constitucional que neste momento se vive em Timor-Leste suscita a maior preocupação quanto ao funcionamento regular das instituições democráticas, uma das atribuições do Presidente da República”, escreve o constitucionalista.