A surpresa não foi só do Presidente da República. Também no PS, as palavras do primeiro-ministro esta quarta-feira na Autoeuropa deixaram toda a gente de queixo caído. Na véspera, sabe o Observador, já corria em alguns corredores socialistas a ideia de que ia haver um “número” de Costa com o Presidente da República, só não se sabia qual. O número foi um apressar do calendário de Marcelo, que contava anunciar só a recandidatura em novembro, em jeito de manobra de distração. Não aconteceu em novembro, aconteceu em maio, em plena pandemia e a meio de uma crise entre Costa e Centeno sobre o Novo Banco.

Apesar do aviso, ainda assim, houve surpresa no Largo do Rato. É que uma declaração de apoio do primeiro-ministro (e secretário-geral do PS) a uma recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa deita por terra qualquer aspiração de outra personalidade da esquerda política vir a ter o apoio do PS numa candidatura a Belém. Mas ainda há quem acredite que Costa pode ter sido dúbio o suficiente.

“Não foi bem um apoio, foi mais um piscar de olho, um sinal, uma indireta”, ouve o Observador de uma fonte socialista, que sugere que a declaração do primeiro-ministro a lançar (e a dar o aval) uma recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa não significa diretamente que o PS venha a apoiar formalmente uma candidatura do atual Presidente. Até porque será o próprio Presidente a, à partida, preferir manter o registo da primeira campanha de não querer apoios partidários — formais — nenhuns. Nem sequer do PSD, que é a sua família política, quanto mais do PS.

A leitura no PS é precisamente a de que, assim, Costa segue na frente e obriga o PSD (e até o CDS) a ir atrás no apoio ao atual Presidente. Sem congresso marcado e com Rio a recusar-se a sobrepor-se a Marcelo nessa decisão, que é pessoal, Costa aproveitou a janela de oportunidade e pôs-se na frente na lista de apoiantes.

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Foi Marcelo, na verdade, quem terá ficado mais “entalado” com o avanço de Costa, já que preferia jogar noutros tabuleiros e com outros calendários. Mas agarrou a oportunidade que o primeiro-ministro lhe estendeu e os dois pareceram estar em perfeita sintonia, quer no tema da descoordenação entre Costa e Centeno sobre o Novo Banco (Marcelo saiu em defesa do primeiro-ministro), quer em relação ao futuro próximo. Não era agora, em plena pandemia e em pleno processo difícil de desconfinamento da sociedade e da economia, que Marcelo ia abrir a porta a uma candidatura presidencial. “Não é o tempo das palavras, agora é o tempo das ações”, disse assim que se dirigiu aos jornalistas esta quarta-feira, à margem da visita, a dois, à Autoeuropa. Mas foi assim que aconteceu.

A passadeira estava estendida. E Marcelo Rebelo de Sousa teve de caminhar nela. Em todo o caso, mesmo que o “piscar de olho” de Costa a Marcelo não se venha a traduzir num apoio formal do PS para a corrida a Belém, uma declaração de tal forma efusiva e premonitória do primeiro-ministro a dizer que Marcelo será eleito para mais um mandato invalida as hipóteses de o PS vir a apoiar formalmente um outro candidato da área socialista.

Isso parece claro. Se outras candidaturas havia, ficaram desde já neutralizadas. Quanto à candidatura da ex-eurodeputada Ana Gomes, lançada por Francisco Assis, que permanecia até agora em “stand by” devido ao surto do novo coronavírus, há quem, no PS, diga que uma coisa não invalida a outra. Foi a própria Ana Gomes que, em entrevista à Rádio Observador, no final de março, evitou comentar a ideia de uma candidatura por entender que a pandemia da Covid-19 tinha “suspendido tudo”, e poderia até vir a suspender as presidenciais.

Porque até uma candidatura de Ana Gomes se podia manter viável, no entender de alguns, mesmo depois do pré-apoio de Costa declarado está quarta-feira a Marcelo.  Tal como Marcelo, também Ana Gomes – que para já se mantém fora da corrida – pode querer correr em pista própria e mostrar independência, abdicando de tudo o que o rótulo partidário implica. Na verdade, é uma situação win win, em que ganham todos: Primeiro, uma candidata como Ana Gomes tenciona ir buscar eleitorado à esquerda mais à esquerda, e, para isso, não é vantajoso ter o apoio formal do PS a cortar-lhe as asas. Depois, uma candidatura de Ana Gomes iria buscar eleitores apenas a uma parte do PS — a parte que não apoiaria Marcelo (parece já evidente entre os socialistas que há muitos que votariam na continuidade do atual PR) — e para conseguir essa franja, também não seria bom ter o PS a apoiar formalmente o candidato Marcelo.

“É o melhor dos dois mundos”, diz a mesma fonte. Ou seja, Costa pode lançar Marcelo sem lhe dar o apoio formal, e com isso ficar na dianteira e obrigar os outros partidos (nomeadamente o PSD) a irem atrás, mesmo que o custo desse piscar de olho seja o de não poder dar o apoio formal do PS a mais ninguém. Na verdade, era o que Costa queria. Marcelo é aposta ganha, qualquer candidato que viesse do lado do PS iria perder. Problema resolvido.