O Burundi, um dos mais pequenos países africanos, vai quarta-feira a votos, ao final de cinco anos de crises políticas, sem a presença de observadores internacionais e protegido pela “graça de Deus” contra a Covid-19.

O país, localizado na região dos Grandes Lagos, com 11 milhões de habitantes e 5,1 milhões de eleitores, decidiu manter as eleições gerais – presidenciais, legislativas e locais – de quarta-feira apesar dos riscos de propagação da Covid-19, doença que, em larga medida, tem sido desvalorizada pelas autoridades.

Concorrem às presidenciais sete candidatos, mas a chefia do Estado deverá ser discutida entre Evariste Ndayishimiye, que se apresenta pelo partido do Governo(CNDD-FDD) após a decisão de não recandidatura do controverso chefe de Estado cessante, Pierre Nkurunziza, no poder desde 2005, e Agathon Rwasa, histórico líder da oposição no país (Palipehutu-FNL).

Ndayishimiye surge como o sucessor natural de Nkurunziza e Rwasa como o candidato da mudança, mas os analistas políticos encontram poucas diferenças entre os dois homens, que apresentam programas centrados no desenvolvimento económico do país.

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Os dois homens têm um passado comum de combatentes rebeldes durante a guerra civil de 1993 a 2005, que opôs a maioria hutu (85% da população) à minoria tutsi, que controlava as forças armadas.

O país vive uma grave crise política desde as últimas eleições, em 2015, de que já resultaram pelo menos 1.200 mortos e mais de 400 mil refugiados, acontecimentos alvo de uma investigação do Tribunal Penal Internacional.

A violência, desencadeada pela contestação ao terceiro mandato de Pierre Nkurunziza, considerado inconstitucional pela oposição, fizeram ressurgir o espetro da guerra civil, que causou mais de 300 mil mortes e durou 11 anos.

O chefe de Estado cessante, Nkurunziza surpreendeu ao anunciar, em junho de 2018, que não se recandidataria, apesar de a nova Constituição, aprovada por referendo nesse mesmo ano, lhe permitir ficar até 2034.

Pierre Nkurunziza deixa a cena política depois de o parlamento lhe ter atribuído uma mansão de luxo e uma pensão vitalícia e o ter elevado a “guia supremo do patriotismo”, vantagens consideradas “indecentes” pela oposição.

Ao contrário da Etiópia, que adiou as suas eleições de agosto devido à Covid-19, o Burundi decidiu mantê-las, com o Governo a alegar estar protegido pela “graça divina”.

O país registou oficialmente 42 casos positivos, incluindo uma morte, mas as autoridades são acusadas por médicos e pela oposição de esconder casos de Covid-19, atribuindo-os a outras doenças, como a pneumonia.

O Burundi não impôs o confinamento da população e a campanha eleitoral mobilizou grandes multidões, com a distribuição de baldes de água e sabão como medida preventiva.

O governo ordenou mesmo, sem dar qualquer explicação, a expulsão dos quatro principais peritos da Organização Mundial de Saúde (OMS) que aconselhavam sobre a epidemia e que abandonaram o país no sábado.

Por outro lado, não foi autorizado que observadores internacionais assistam às eleições, incluindo da União Africana (UA), algo considerado como pouco habitual num Estado-membro da organização.

Os únicos observadores autorizados inicialmente eram os da Comunidade da África Oriental, que organizou o envio de cerca de 20 elementos, no entanto, as autoridades burundinesas anunciaram que estes teriam de ficar de quarentena durante 14 dias após a sua chegada devido à Covid-19, o que inviabilizaria a sua ação no dia da votação.

Em consequência, a comissão eleitoral anunciou que não haverá observadores externos.

Também a Igreja Católica e a sociedade civil anunciaram que não terão observadores no terreno.

Entre a população, são poucos os que acreditam em eleições justas e livres e crescem os receios de que possa haver uma contestação violenta dos resultados, depois de a campanha eleitoral ter sido marcada por confrontos entre membros de partidos rivais e detenções de opositores.

O Burundi está entre os três países mais pobres do mundo, segundo o Banco Mundial, que estima que 75% da população vive hoje abaixo do limiar da pobreza, contra os 65% quando o Nkurunziza chegou ao poder em 2005.

A taxa de desemprego dos jovens é de 65%, segundo o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), e seis em cada dez crianças são raquíticas devido à subnutrição.