Há um novo fundo de apoio a profissionais do espectáculo e da produção musical a ser construído pela Audiogest (Associação de Gestão de Direitos de Produtores Fonográficos) e pela GDA (Gestão de Direitos dos Artistas). Um apoio que visa apoiar profissionais da indústria musical que, como outros (no setor da cultura não só), ficaram com a atividade profissional condicionada ou totalmente suspensa.

O fundo que agora está a ser delineado quer apoiar empresas de produção musical e empresas de produção de espectáculos na lógica de manutenção dos postos de trabalho. Tanto a favor dos artistas que viram o respetivo trabalho cancelado e que por isso ficaram sem o rendimento que lhes asseguraria os meses de menor atividade, como aos profissionais técnicos do meio. “Estes profissionais não têm qualquer fonte de rendimento. Um técnico de luz ou um técnico de som não pode exercer a sua atividade, um profissional do espectáculo não exerce a sua atividade se não existir espectáculo. É a mesma coisa que ter um guarda-freios da Carris a exercer a sua atividade quando não há elétricos. Não é possível. Não vale a pena inventarmos. É deprimentemente absurdo acreditar que isso é possível”, enquadra Miguel Carretas, diretor geral da Audiogest.

O mesmo responsável aponta o dedo à falta de apoio do Governo. “Não existe um apoio de emergência e é importante dizer que este era o primeiro dever e a primeira função do Estado”, diz, lembrando que se trata de um enquadramento distinto daquele que é abrangido pela linha de apoio à produção para as artes performativas.

“Agora não é de arte que se trata. Trata-se de sobrevivência e é esta a lógica do nosso apoio. O que entendemos é que o Estado também o devia ter feito e não o fez”, afirma Miguel Carretas.

O fundo em questão está ainda na fase de construção de regulamentos. E está ainda a tentar superar uma questão fiscal que se prende com o imposto de selo. A Audiogest é uma entidade com utilidade pública, portanto, quando lhe são atribuídos donativos está isenta desse imposto, mas o mesmo não acontece quando é a Audiogest a fazer os donativos e esses, para pessoas singulares, podem ter, acima de x valor, 10% de imposto de selo. E se há coisa que a Audiogest e a GDA nada queriam era que o milhão (500 mil euros por cada uma das entidades) que querem disponibilizar sejam taxados a essa percentagem, o que significaria que cem mil euros ficaram no Estado. “Achamos inaceitável que o Estado queira tributar a nossa generosidade”.

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Para já, nesse sentido, tiveram uma manifestação de boa vontade por parte do Ministério das Finanças, mas aguardam ainda resposta do Ministério da Cultura. Há ainda outra questão envolta em fiscalidade: “O nosso mecanismo só consegue cumprir uma lógica de complementaridade se quando atribuímos o apoio ele não contar como rendimento, para que não seja impeditivo de que a pessoa em causa continue a receber o apoio do Estado — mesmo que sejam 50 ou 60 euros por mês, como acontece hoje. Assim que lançámos a ideia do fundo, contactámos o Governo. Vamos ver que atitude pode ser tomada em relação a isso”, conta.

Outro dos dados que explica este momento de espera é o facto de este ser um fundo aberto, isto é, é um fundo ao qual se podem juntar mais instituições ou entidades que queiram apoiar o setor em questão. Sem querer divulgar nomes, Miguel Carretas admite que as últimas duas semanas foram bastante positivas no que à junção de outras estruturas – “com um peso significativo na sociedade portuguesa”, revela – diz respeito:

“Queremos deixar isto aberto. Queremos partilhar a gestão. Queremos ter critérios transparentes e objetivos, não há critérios perfeitos, mas aquilo que determinarmos tem que ser completamente objetivo. E isso dá, de facto, algum trabalho, como trabalho dá resolver a questão fiscal. Alguns dos nossos parceiros também nos podem ajudar com essa questão pela sua natureza, vamos ver”.

O “projecto de calendário” do fundo – nome que Miguel Carretas confere à possibilidade de datas, admitindo que são ainda previsões e que não consegue garantir ao certo os desejos daqueles que estão a criar o projeto – aponta para o final do mês, primeira semana de junho, como prazo para todas as regras estarem definidas, dos pressupostos de candidatura aos de elegibilidade. Com o objetivo de, no final da primeira quinzena de junho, o concurso estar aberto. Admite ainda que o prazo “não será muito alargado”, uma vez que se pretende uma certa celeridade neste processo. Por fim, conclui que “será legítimo expectar” que possam estar a fazer pagamentos efetivos durante o mês de julho.

A subsistência e sobrevivência do sector, isso para nós é essencial

A Audiogest foi criada em 2002, ao mesmo tempo que foi feita uma profunda alteração no regime dos direitos de autor e dos direitos conexos. Até essa altura, a gestão dos direitos era propriedade e responsabilidade de uma só entidade: a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA). Foi então criado o regime das entidades de gestão coletiva que fez surgir esta entidade que teve como principal ocupação implementar uma lei que existia desde o final dos anos 80, início dos 90, mas que não estava ainda em funcionamento ideal, e que se prendia com a necessidade de remunerar autores, produtores e artistas pela comunicação ao público: “Até essa data havia, através da Associação Fonográfica Portuguesa (AFP), contratos firmados com rádios, televisões e, mais tarde, por operadores de transmissões por cabo, mas todo o universo enorme daquilo que é a execução pública, portanto a música que passa em espaços públicos, estava por licenciar, cobrar e distribuir os valores relativos a produtores e artistas”, esclarece Miguel Carretas.

Depressa perceberam que, sendo uma entidade de produtores, não fazia sentido que uma atividade tão específica como esta existisse sem uma parceria com os artistas. Foi por isso que, em conjunto com a GDA, criaram o Pass Música, um serviço que “tem como principal objeto o licenciamento e cobrança conjunta dos direitos de produtores e artistas pela comunicação pública de música gravada”, explica. Mas a sua atividade não fica por aqui, até porque a lei das entidades de gestão coletiva também lhes impõe uma série de outras ocupações, particularmente impõe que uma parte do valor que cobram seja revertido em ações de incentivo à atividade cultural ou apoio social aos seus representados, e não à distribuição. “É algo que também assumimos como responsabilidade e que nesta altura muita falta faz”, afirma Miguel Carretas.

A crise provocada pela Covid-19 só veio fortalecer essa noção. É preciso que todos os profissionais do sector da música tenham alguém que os apoie.

“Este não é um fundo de salvação a empresas de produção musical, é um fundo que visa manter empresas de produção musical, empresas de produção de espectáculos e, sobretudo, profissionais e agentes do espectáculo, ou seja, não só artistas como milhares de técnicos que fazem o espectáculo acontecer. O nosso objetivo é que mesmo o apoio que é dado a pessoas coletivas tenha um destino muito claro: a manutenção de postos de trabalho e a manutenção de compromissos assumidos com profissionais. A subsistência e sobrevivência do sector, isso para nós é essencial”, garante.

Relativamente aos problemas do setor, Miguel Carretas começa por alertar para a “interdependência” que todo este “ecossistema” tem. Isto é, por muito que alguns agentes (em cada vez menor número) tenham na produção e distribuição de música a sua única atividade, é lógico que estão dependentes de uma dimensão essencial deste mercado, que é a vitalidade dos espectáculos ao vivo, de uma comunicação cara-a-cara com audiências, até porque sabemos o quão importante para a promoção de um artista esse momento é. “Estamos perante uma indústria toda ela descapitalizada, que tem uma situação de subsistência e um problema estrutural de falta de tesouraria, ganha-se hoje para se gastar amanhã. Um promotor de espectáculos musicais, na sua esmagadora maioria, não recebe subsídios, depende do seu capital próprio”, atira.

A isto acresce a sazonalidade do exercício da atividade: “É uma indústria sujeita a uma grande sazonalidade e esse é outro problema, esta crise pandémica veio atingir-nos precisamente no momento de recomeço de tudo quanto é espectáculo ao vivo, grandes e pequenos, mas também as festas, as romarias, tudo isso. Há muita gente que trabalha no verão para sobreviver no inverno e quando estava retomar, com as suas reservas financeiras no limite, coisa que já acontece todos os anos, é quando se vê impossibilitado de retomar. Esta crise veio pôr a nu todas as fragilidades: a precariedade, a falta reservas e previsões financeiras, a intermitência, uma falta de investimento público estrutural no setor cultural e, ainda, um divórcio completo das políticas públicas entre as políticas de apoio à produção e as políticas de criação de público”, clarifica Miguel Carretas.