Jesús Mosquera não pode caminhar em Madrid sem ser reconhecido. Mas há dois anos, Jesús Mosquera caminhava tranquilamente em Fuengirola, a cidade do sul de Espanha de onde é natural, sem ser interrompido para fotografias, autógrafos ou para um simples cumprimento. Há dois anos, Jesús Mosquera era jogador de futebol nas divisões inferiores espanholas. Atualmente, é um dos atores mais reconhecidos no país e uma estrela da Netflix.

Ora, talvez seja mais fácil explicar quem é Mosquera com um outro nome: Hugo Beltrán. Beltrán é a personagem principal de “Toy Boy”, uma série que estreou na televisão espanhola mas que entretanto explodiu para o resto do mundo através da Netflix, e o papel que o agora ator interpreta. O jovem espanhol, de 27 anos, passou de total desconhecido a protagonista de uma das séries mais vistas em Espanha de um momento para o outro — e através de uma simples ida ao ginásio. Mas para contar essa história, lá está, é preciso recuar dois anos.

[O trailer de “Toy Boy”, a série onde Jesús Mosquera interpreta o protagonista]

Em 2018, Jesús Mosquera jogava no Antequera, um clube da quarta divisão espanhola. Começou a carreira nas camadas jovens do Málaga, passou pela formação do Athl. Bilbao e do Betis e chegou mesmo à equipa B do clube de Sevilha, tendo até treinado com a equipa principal sem nunca se estrear ao mais alto nível. De férias, entre o fim de uma época e o início da outra, foi desafiado por um grupo de amigos a deslocar-se ao ginásio que todos frequentavam porque estava lá uma equipa de produtores de televisão à procura de atores para uma série, um filme e um anúncio publicitário. Depois de alguma resistência inicial, Mosquera foi — mas quando chegou ao ginásio já não estava lá ninguém.

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Dois dias depois, tanto o jogador como os amigos foram contactados pelo dono do ginásio, que lhes disse que os produtores tinham voltado para mais uma ronda de castings. Jesús Mosquera voltou a ir mas, ao contrário dos amigos, acabou por não se inscrever nas audições e fez o treino habitual. “Tinha a intenção de ir ao casting mas depois pensei que não me iam escolher de qualquer forma, então não fui. Continuei a treinar e depois ouvi uma das produtoras dizer que havia um rapaz de camisola amarela que tinha o perfil que procuravam mas que não ido à audição. Nessa altura, olhei para baixo e estava com uma camisola amarela vestida”, conta o espanhol à CNN. Chegou a agradecer o interesse e recusar a ideia, por ter “vergonha de aparecer à frente da câmara”, mas acabou por aceitar, “por piada”, depois de a produtora lhe perguntou o que tinha a perder.

Jesús Mosquera nos tempos das camadas jovens do Málaga: é o segundo da fila de cima a contar da esquerda para a direita (Fonte: Instagram)

Ao longo de seis meses, passou um e outro teste e acabou por receber uma chamada de duas das mais conceituadas diretores de casting de Espanha, que lhe ofereceram o papel de protagonista numa nova série. “A sorte foi que não me disseram logo que a personagem era um stripper, acho que tinha fugido logo a correr”, brinca Mosquera. “Foi complicado, foi difícil, porque sou naturalmente uma pessoa tímida. Nem sequer queria ir ao casting porque a câmara me intimidava, imaginem ter de tirar a roupa e dançar. Tive mesmo sorte porque não soube logo qual era o papel. A cada mês, a cada teste, davam-me um bocadinho mais de personalidade e só na última audição é que soube mesmo que ia ser um stripper“, revela o ator espanhol, que entretanto já se tinha mudado para Madrid e abandonado o sonho do futebol. “O futebol já tinha passado por mim. Quando esta oportunidade chegou, tinha de aproveitar. A oportunidade apareceu no meu caminho e foi algo que me mudou a vida”, explica.

A partir daí, a vida de Jesús Mosquera tornou-se um puzzle de aulas de representação, aulas de dança e sessões no ginásio. Teve de aprender a dançar e ganhar 10 quilos de músculo — sempre com a noção de que poderia ficar sem o papel se não conseguisse estes objetivos na timeline pretendida. “Eles achavam que como me encontravam no ginásio eu já tinha muita força, mas a verdade é que era muito magrinho. Preferia correr na praia. Estava muito definido por causa do futebol mas não tinha massa muscular. E não sabia dançar, de todo, nunca me tinha considerado um bom bailarino. Foi um processo muito difícil, muitas horas de ensaios, de treinos, de dança… Mas uma experiência inesquecível”, conta.

O antigo central — que tinha Sergio Ramos como principal inspiração mas que acha que Messi é “o melhor jogador da história” — até encontrou paralelismos entre a representação e o futebol: a perseverança, o trabalho de equipa, a disciplina na dieta e o esforço para permanecer em boa forma física. E garante que a parte mais estranha do sucesso de “Toy Boy” acaba por ser algo que também poderia ter alcançado no futebol, em caso de sucesso. “Num minuto és totalmente anónimo e no minuto seguinte estás na televisão. Para mim, é aquilo de que menos gosto no meu trabalho. Honestamente, a fama não é aquilo que me atrai. Mas é uma parte do trabalho e também tenho noção de que se temos sucesso, é por causa do público”, termina. Jesús Mosquera poderia ter sido central do Betis ou poderia ter sido um de milhões de jovens espanhóis que sonham com o futebol e não conseguem realizar a quimera — mas acabou a viver o sonho de outros milhões porque vestiu uma camisola amarela para ir ao ginásio.