O novo coronavírus teve impacto de vida de todos, contudo, em alguns casos, os efeitos da pandemia acabaram por ser mais insólitos do que se esperava. Foi o que aconteceu com o membros da Orquestra Experimental de Instrumentos Nativos, presos num palácio alemão há sensivelmente 75 dias.
No início de março, o grupo de músicos bolivianos deixou a capital La Paz para se instalar no Palácio Rheinsberg, a uma hora e meia de Berlim. Chegaram no dia 10, com o objetivo de se prepararem durante duas semanas para uma pequena digressão na Europa. Mas o confinamento decretado para conter o novo coronavírus deixou-os encurralados. As atuações já agendadas foram canceladas e, dias depois, a Bolívia acabou por encerrar fronteiras.
“O nosso autocarro avariou no caminho para cá. Em brincadeira, lembro-me de dizer que era um sinal de azar e que os nossos concertos iam ser cancelados. Mas nunca pensei que isto acontecesse”, admitiu um dos membros da orquestra, que conta com 27 elementos.
Desde então que permanecem alojados num hostel dentro da propriedade. Aproveitam os dias para ensaiar — três horas de manhã e três horas à tarde, segundo conta uma reportagem da BBC. Pouco resta para ajudar a passar o tempo. O grupo tem dado alguns passeios, mas com as devidas cautelas, já que a zona é o habitat natural de 23 alcateias de lobos.
Além dos animais selvagens, também as história sobre fantasmas povoam o imaginário local. Em tempos, Rheinsberg, um palácio com quase seis séculos de história, foi a casa de várias figuras da realeza e da aristocracia alemã, incluindo de Frederico II, monarca do século XVIII que, ao que parece, passava ali os serões a ouvir música. O rei recebeu a propriedade do país, em 1736 e descreveu o tempo que lá morou como os seus anos mais felizes.
“Costumamos dizer que o fantasma do rei nos segue. Normalmente não acredito nessas coisas, mas parece que há mesmo fantasmas no palácio”, admitiu outro elemento da orquestra. Com a reabertura do palácio aos turistas, na última segunda-feira, os músicos, os mais novos de 17 anos, voltaram a poder entrar no palácio e a usar as instalações para ensaiar. Alguns dele nunca tinham viajado para fora da Bolívia.
Na Alemanha, o desconfinamento já começou, mas a Bolívia mantém as fronteiras fechadas a voos internacionais. Segundo a BBC, a embaixada boliviana está a tentar repatriar os músicos já no início de junho, mas as autoridades bolivianas não parecem estar a facilitar a tarefa. “As pessoas lá pensam que estamos num conto de fadas. Já recebi centenas de mensagens a dizerem para parar de reclamar porque estou a viver como uma princesa num castelo alemão”, revelou uma das integrantes da orquestra.
No Facebook, os músicos têm aproveitado para mostrar alguma contestação face à resistência do seu próprio país em levá-los de volta para casa. “A Cancillería Bolivia não nos deus alternativas que nos permitam vislumbrar um regresso próximo. Felizmente, há instituições alemãs que nos estão a apoiar”, escreviam em meados de abril, mais de um mês depois de terem aterrado na Alemanha.
“Estamos muito dececionados com o Ministério do Planeamento do Desenvolvimento, que até agora não libertou nenhum dinheiro de que precisamos”, pode ainda ler-se. Os custos existem e são avultados. Alojar todos os elementos da orquestra custa à volta de 36 mil euros por mês, despesa que o diretor de um dos festivais anfitriões está a ajudar a suportar.
O grupo tenta, ainda assim, manter uma atitude positiva. O cenário é idílico, com especial destaque para a floresta e para o grande lado junto ao palácio. Há ainda Sheldon Schlosskatzi, o gato que vive no palácio e que é uma celebridade local, com mais de 6 mil seguidores no Facebook. Como desabafou um dos músicos: “Há sítios piores para se estar preso”.