O Governo recebe na quarta-feira os parceiros sociais para ouvir as propostas de sindicatos e patrões quanto ao novo Programa de Estabilização Económica e Social (a implementar na fase da recuperação). Se há medidas em que alguns parceiros estão alinhados – a isenção do pagamento por conta é um deles – há outras que os dividem. É o caso do layoff simplificado: os patrões querem prolongá-lo, mas os sindicatos defendem que, para isso acontecer, o corte salarial aplicado aos trabalhadores deve ser reduzido. A CGTP defende o pagamento integral dos salários a quem está neste regime; já a UGT diz que vai apresentar uma proposta nova: que o corte baixe de um terço para um quinto – ou seja, o trabalhador deixaria de receber apenas 66% do salário, para passar a receber 80%. Deste valor, propõe a central sindical, metade seria pago pelas empresas.

Na última reunião da Comissão Política Nacional do PS, o primeiro-ministro e secretário-geral dos socialistas, António Costa, pediu aos partidos políticos – que ouviu nesta segunda-feira e vai continuar a ouvir na terça – e aos parceiros sociais – que recebe na quarta-feira – um “esforço” para manter um “consenso político e social”.

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O objetivo é ouvir os contributos para o desenho do Programa de Estabilização, que tem quatro pilares: um mais “institucional” (uma “espécie de Simplex SOS” para diminuir a burocracia); um centrado na recuperação das empresas e, particularmente, nas de micro, pequena e média dimensão; outro focado no emprego, reinventando “mecanismos de apoio ao emprego” e dando respostas aos jovens que são “as primeiras vítimas” da crise; e um último de âmbito social, com o “reforço do SNS e da escola pública”.

A maioria dos parceiros sociais diz ao Observador que ainda está a ultimar as propostas para quarta-feira, mas há várias medidas de que não querem abrir mão. O que defendem para o Programa de Estabilização?

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O layoff simplificado atualmente em vigor prevê que os trabalhadores recebam dois terços do salário – deste valor, 70% é assegurado pela Segurança Social e os restantes 30% pela empresa. A CGTP quer mudanças e exige que a legislação seja alterada para impedir que as “grandes empresas, que têm capacidade económica e financeira para responderem a esta situação, estejam a utilizar este mecanismo”. Segundo um balanço da intersindical, mais de metade das empresas com mais de 250 trabalhadores acederam o layoff, o que é “inaceitável em grandes grupos económicos com distribuição de lucros e dividendos”, diz ao Observador a secretária-geral, Isabel Camarinha.

Por isso, defende que os critérios para aderir ao mecanismos de apoio sejam apertados: “Se a situação financeira da empresa lhe permite aguentar durante este período sem recorrer a apoios, não deve ter possibilidade de recorrer“, considera.

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A UGT concorda que devem existir “critérios objetivos” neste “segundo layoff”, que impeçam algumas grandes empresas de aderir ao regime. “Para o layoff simplificado continuar é preciso esclarecer que tipo de empresas é que necessitam – são empresas que têm músculo financeiro? –  se o prolongamento se justifica, se têm mesmo essa necessidade”, defende o secretário-geral da UGT, Carlos Silva, em declarações ao Observador.

A UGT quer ouvir as propostas do Governo, mas adianta já uma das propostas que vai levar a António Costa na quarta-feira: que o layoff implique um corte de um quinto do salário e não de um terço, o que significaria salários pagos a 80% (tal como acontece no Reino Unido, mas garantidos pelo Estado).

Se é para prolongar o layoff, na opinião da UGT, o corte salarial não pode ser tão intenso como foi até agora. Sugerimos que o Estado possa decidir o prolongamento com um quinto de corte salarial. Temos é de perceber da parte do governo a resposta que vem aí. Se aceitar um quinto, temos de decidir qual a componente assegurada pelo Estado e pelas empresas”, afirma o sindicalista.

Na opinião da UGT, as empresas teriam de suportar mais do que os 30% do salário que atualmente pagam no âmbito do layoff. “Se o governo abrir as portas a isso, pode ser o Governo pagar, por exemplo, 50% e os outros 50% fica a cargo das empresas. É uma sugestão que vamos colocar.” Já a CGTP, como há muito tem defendido, exige o pagamento integral dos salários. “Há trabalhadores que estão a recorrer a mecanismos de caridade para poderem alimentar-se e às suas famílias. É totalmente lamentável”, critica Isabel Camarinha.

A CGTP defende ainda que sejam revertidos os despedimentos de trabalhadores com vínculos precários e que sejam acauteladas as situações de trabalhadores dispensados devido à pandemia que não preenchem os requisitos de acesso ao subsídio de desemprego nem ao subsídio social de desemprego. Além disso, frisa, é necessário um reforço da oferta de transportes públicos, dado que há transportes que não estão a garantir as normas da Direção-Geral da Saúde. “Vemos os transportes à hora de ponta demasiado lotados e isso faz com que haja este perigo de focos e contágio que já se vê nalguns sítios, como na Azambuja”, diz Isabel Camarinha. E dentro dos locais de trabalho, adianta, há empresas que não estão a cumprir as normas de segurança – “dizem que não têm possibilidade porque os apoios não são suficientes para esta retoma”.

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Falta fiscalização, afirma Isabel Camarinha, mesmo apesar do reforço de profissionais para a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). “É praticamente impossível a ACT fiscalizar tudo. O Governo deve arranjar formas de punição de quem não cumpra e aumentar a eficácia da ACT, através de orientações vinculativas que obriguem as empresas a cumprir as medidas de prevenção, nomeadamente através da distribuição dos equipamentos de proteção individual.

Já a UGT pede a criação de um rendimento mínimo garantido para todos os trabalhadores (que poderia ser equivalente ao indexante de apoios sociais – atualmente nos 438,81 euros). E um “apoio específico” para os trabalhadores que tinham contratos precários e ficaram desempregados. Carlos Silva adianta ainda que o Governo deve esclarecer qual o “papel da banca”, facilitando o acesso ao crédito às micro, pequenas e médias empresas (PME). “Tem de ser o Governo também a decidir como a banca participa”, diz, sugerindo a criação de um grupo de trabalho com a banca, “para analisar o risco de crédito de todos as micro e PMEs que estão a pedir apoio“, mas que estão a ter dificuldade em obtê-lo. “Significa que o Estado, ao participar neste grupo de trabalho, poderá, com a banca, conceder garantias de Estado para estas micro e PMEs.”

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Tanto a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), como a Confederação do Comércio e Serviços (CCP) e a Confederação do Turismo (CTP) defendem a isenção do pagamento por conta (adiantamentos de IRC que as empresas fazem ao Estado). “Não tem qualquer sentido. O pagamento por conta é uma antecipação do dinheiro ao Estado feita com base nos lucros do ano passado. Ora, como a maior parte das empresas não vai ter os lucros do ano passado, não tem qualquer nexo estar a adiantar o pagamento”, defende ao Observador João Vieira Lopes, presidente da CCP. A medida não está fora da mesa do Executivo. Segundo disse deputado dos Verdes José Luís Ferreira, esta segunda-feira, o Governo mostrou abertura para avançar com a medida, bem como com a criação de um fundo de tesouraria destinado às micro e pequenas empresas.

A organização que representa o comércio e os serviços defende ainda que, como a “maior parte dos estabelecimentos não vai ter capacidade de pagar a renda dos meses em que estiveram encerrados”, por decreto do estado de emergência, as rendas devem ser perdoadas em abril e maio e reduzidas a 50% nos três meses seguintes. Em contrapartida, o Governo, sugere a confederação, deve criar uma compensação aos senhorios individuais, com a isenção ou a redução da taxa liberatória (na última reunião da concertação social, a CCP defendeu o “abatimento de 25% do valor da taxa”).

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O Governo tem optado por moratórias, que permitem adiar o pagamento de rendas, o que não é suficiente para a confederação. “A dívida continua lá. Temos de tentar encontrar medidas de alívio fiscal às empresas que estamos a estudar esta semana”.

A CCP tem proposto também o prolongamento do layoff simplificado por três meses, embora aguarde pela proposta do Governo. Pede ainda maior celeridade na atribuição do dinheiro das linhas de financiamento, além do aumento dos montantes disponíveis. Quanto ao programa Adaptar, que prevê apoios de 100 milhões de euros para as micro, pequenas e médias empresas que retomam atividade se adaptarem às normas de segurança, a CCP defende um “aumento do plafond”.

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Além disso, frisa que são necessárias medidas de capitalização para empresas, “seja através do chamado Banco de Fomento, que, na prática, tem tido apenas uma utilização marginal, seja através de fundos de investimento a constituir com participação do Estado, em que parte desses valores teriam que ser a fundo perdido, seja outros métodos que estamos a estudar, outra tipologia de capitalizações”. A nível fiscal, pede “condições mais favoráveis, em termos de IRC” aos empresários que tenham de injetar capital próprio numa empresa.

A CIP, por sua vez, disse ao Observador que não vai apresentar medidas novas, além das que já sinalizou junto do Governo, como: a criação de um Fundo de Capitalização de Emergência, com 3.000 milhões disponíveis para capitalização de empresas através dos fundos de capital de risco, assim como a criação de uma “linha de dívida subordinada para colmatar os prejuízos sofridos em 2020/2021 pelas empresas dos setores da restauração, agências de viagens, comércio e microempresas”. Esta linha seria reembolsada a partir do 5.º ano por um prazo de mais 5 anos.

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Além disso, pede a conversão de Garantias de Estado em incentivos a fundo perdido para as empresas “que mantiverem a atividade económica e garantirem a manutenção do emprego, sem redução da massa salarial” e o reforço das linhas de crédito, “que se encontram esgotadas face aos pedidos efetuados pelas empresas ao sistema financeiro, nas condições atualmente em vigor, mas reforçando a capacidade de resposta do sistema financeiro e do sistema de garantia mútuo”.

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A Confederação do Turismo de Portugal tem defendido medidas como a prorrogação do regime de layoff simplificado, “ou uma medida similar, no mínimo por mais três meses”; a criação de uma linha de capitalização a fundo perdido para o turismo; o ressurgimento do fundo de turismo de capital de risco; “a supressão de taxas que incidem sobre as empresas para o período do próximo verão”; e uma “grande campanha de turismo interno”.

Num comunicado divulgado na semana passada, a confederação liderada por Francisco Calheiros critica “a “excessiva burocracia no acesso às linhas de apoio, o que significa que estas tardam em chegar à economia real e que a percentagem de apoios concedidos às empresas, cerca de 10%, ainda é bastante reduzida”. E pede celeridade também no layoff. “Este atraso está a gerar muitas dificuldades às empresas que pretendem manter os postos de trabalho e que estão agora a retomar a sua atividade.”

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Quanto a Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), refere que vai voltar a frisar na reunião a necessidade de se adiantarem ajudas à intervenção no mercado no setor agrícola, no âmbito da Política Agrícola Comum (PAC).