Vem aí um plano de recuperação da economia, com medidas que serão conhecidas “brevemente”, dizem os partidos, e outras que ficarão para as alterações ao Orçamento do Estado para 2020, que necessita de um aumento de despesa para fazer face às consequências sociais e económicas que resultam da crise pandémica. António Costa precisa de uma maioria para aprovar o que aí vem e começou esta semana a procurá-la, prometendo já esta segunda-feira medidas aos parceiros de sempre. 

Ao contrário do que é costume, o secretário-geral comunista saiu de uma reunião à porta fechada com o Governo a levantar a ponta do véu sobre o que se passou lá dentro. “Haverá três ou quatro medidas importantes [do PCP] que o Governo considerará”. A proposta chegará aos comunistas, entretanto, para análise, por isso Jerónimo de Sousa recusa adiantar mais. Mas na vez seguinte — que foi a do Partido Ecologista os Verdes — ficou-se logo a saber que o Governo está aberto a suspender o pagamento especial por conta do IRC este ano.

“Seriamente ponderadas”: suspender o PEC este ano e criar um fundo de tesouraria para as empresas

É uma medida que faz parte das pretensões comunistas, que são historicamente pelo fim deste adiantamento de IRC que as empresas estão obrigadas a fazer ao Estado. Este ano, por causa da pandemia, já foi adiado o pagamento da primeira prestação, mas o Governo estará disposto para ir além disso. José Luís Ferreira, do PEV, também levou esta ideia a Costa, bem como a criação de um fundo de tesouraria que permita assegurar o pagamento de salários, de rendas e de outros custos fixos das empresas. Este fundo de tesouraria deverá ter um período de carência de cerca de dois anos e com uma taxa de juro zero.

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“Não foi assumido aqui nenhum compromisso, mas o Governo disse que essa proposta do fundo de tesouraria também estava no seu radar. Quanto à suspensão do pagamento por conta do IRC para as pequenas e médias empresas, também nos pareceu haver abertura do Governo para ponderar seriamente essa medida”, sublinhou no final da reunião com o deputado dos Verdes.

À mesa, em São Bento — onde todos os participantes destas reuniões estiveram de máscara — estava não só o primeiro-ministro como o ministro das Finanças, Mário Centeno, bem como a ministra da Presidência do Conselho de Ministros, Mariana Vieira da Silva, e o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro. Em preparação estão o Programa de Estabilização Social e Económica, e também o Orçamento que o Governo apelida de “suplementar”, que terá de passar por um aumento de despesa, a julgar pelas medidas de apoio à economia e às famílias que já estão em vigor e às que ainda vão chegar.

O Orçamento que Mário Centeno entregará em junho “só terá a tradução financeira” do tal programa de estabilização, como explica fonte do Governo. Isto faz com que muitas das medidas sejam conhecidas antes do Orçamento e até aplicadas ainda antes de essa proposta ser entregue na Assembleia da República.

Os comunistas saíram agradados com o que ouviram lá dentro, na reunião em São Bento, e prometeram “contribuir para uma solução boa para quem trabalha e para quem vive do seu negócio”. Um compromisso caro a António Costa que desde os tempos da “geringonça” sabe que a palavra comunista é, muitas vezes, suficiente. Jerónimo não deixou ali essa garantia, mas prometeu analisar o documento e assinalou que já parte para a análise com ganhos. Só não disse quais.

Lay off mas sem cortes salariais e contribuição solidária de empresas com lucro

A principal preocupação comunista é com o prolongamento ad aeternum  do regime simplificado de lay off e isto porque as pessoas “têm um corte de um terço dos rendimentos no final do mês”. E Jerónimo de Sousa não quer que “se torne banal o inaceitável”. Uma preocupação semelhante à revelada horas depois por Catarina Martins. A líder do Bloco de Esquerda só foi recebida à tarde e ao sair pediu que os salários das pessoas que estão em lay off passem a ser pagos a 100%. “O desenho de uma nova medida para substituir a atual deve ter em conta a necessidade dos salários serem pagos a 100%”, vincou a líder do partido que tem apoiado os Governos socialistas na viabilização dos orçamentos.

Além disso, a coordenadora do Bloco de Esquerda quer ainda que as empresas que estão a dar lucro nesta fase possam dar uma “contribuição solidária” à economia. E mais, “se os lucros do passado” não podem contar para o Pagamento Especial por Conta, também é importante que não contem para a distribuição de dividendos nas empresas”, sublinhou ainda. Catarina Martins quer que o Governo “proíba a distribuição de dividendos” nas grandes empresas e ainda que aquelas que estão em setores “que ganham com a crise devem ser chamadas a uma contribuição solidária”. E exemplifica com as seguradoras, que não reduziram os seus prémios de seguro quando nestes dois meses não tiveram de segurar o que estava contratado. E o mesmo na área da “energia”, defendeu.

Catarina Martins abandonou São Bento com o compromisso de “analisar o documento quando ele for conhecido”, mas a dizer também que “há algumas medidas importantes que o governo sinalizou que iam avançar muito em breve”, algumas ainda antes da entrega do Orçamento Suplementar no Parlamento.

Da parte do PAN, André Silva explicou que as exigências também passam pelo lay off, defendendo um prolongamento da medida de apoio às empresas e ao emprego até ao final do ano. E também que este regime possa abranger trabalhadores em período experimental, a termo e estagiários. De António Costa ouviu disponibilidade para as “propostas a serem estudadas e discutidas”. Aliás, o porta-voz do partido até disse que o Governo pediu para que o PAN envie uma proposta “mais detalhada para eventualmente serem adotadas”.

Nos últimos meses, nas reuniões sobre as medidas de confinamento, António Costa fez sempre estas rondas de audições dos partidos com assento parlamentar, no entanto, começou sempre pelo maior partido da oposição. Desta vez, e com uma retificação ao Orçamento para 2020 em cima da mesa, o primeiro-ministro começou pelos partidos que se abstiveram na votação dessa proposta do Governo. Os mesmos que nos últimos anos lhe permitiram uma governação sem sobressaltos de maior, apesar da maioria relativa no Parlamento.

Esta terça-feira nova ronda, desta vez com CDS, Iniciativa Liberal, PSD, Chega e PS. Uma auscultação num momento bem diferente daquele em que o Governo se moveu quando discutiu e aprovou — com a oposição destes partidos — o Orçamento para este ano e que agora terá de ser reequacionado. Na quarta-feira, Costa recebe outros parceiros, desta feita os parceiros sociais (as duas centrais sindicais e as principais associações patronais), também eles com muitas propostas a fazer ao primeiro-ministro.

Layoff com salário a 80% ou a 100% e isenção do pagamento por conta. O que pedem sindicatos e patrões para a recuperação