As mensagens circulam nas redes sociais a um ritmo cada vez mais acelerado: dizem que o novo coronavírus é um “soldado” enviado por Deus para castigar os “inimigos” ou que foi trazido por “imigrantes, muçulmanos e judeus”. São da autoria de grupos da extrema-direita ou de jihadistas e os investigadores concluíram que estão a aumentar com a pandemia. Segundo dados do Instituto para o Diálogo Estratégico (ISD, na sigla original), de Londres, citados pelo La Vanguardia, os seguidores de canais supremacistas no serviço de mensagens instantâneas Telegram subiram exponencialmente — no caso de um grupo extremista dedicado à Covid-19, o número de utilizadores cresceu 800% no início de abril.

A tendência é semelhante nos canais jihadistas, segundo o mesmo instituto. Nesses casos, a “audiência” aumentou para um nível parecido ao que se registou após ataques terroristas em Paris, Bruxelas ou Nice. Como resposta, em novembro de 2019, a Europol desativou milhares de contas de Telegram de apoio ao Estado Islâmico — que se viu, assim, obrigado a mudar para outras plataformas.

As mensagens veiculadas representam um desafio para as autoridades comunitárias e nacionais, pela violência das palavras e dos apelos. Segundo o La Vanguardia, há casos de publicações que incitam a ataques em hospitais, como quase aconteceu no Missouri, nos Estados Unidos da América, onde, a 24 de março, um membro da extrema-direita norte-americana foi abatido a tiro pelo FBI por resistir a uma detenção (era suspeito de estar a planear um ataque a um hospital com pacientes infetados com Covid-19). Ou como se verificou numa maternidade em Cabul, capital do Afeganistão, alvo de um ataque que matou 16 mulheres, dois bebés e seis funcionários (os EUA acreditam que tenha sido da autoria do Estado Islâmico).

Estado Islâmico não manda terroristas para a Europa com medo do coronavírus

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A Comissão Europeia e também a Organização das Nações Unidas (ONU) já alertaram para um aumento da propaganda extremista. Num documento enviado a 14 de maio pelo coordenador de antiterrorismo da Comissão Europeia, Gilles de Kerchove, a todas as delegações dos estados-membros da União Europeia, Bruxelas apontava o perigo de a extrema-direita e de os jihadistas atacarem hospitais. E apelavam a que os governos fizessem todos os esforços para impedir que “a atual crise sanitária e económica leve a uma crise de segurança”.

Grupos extremistas online aumentam com a pandemia

“Todas as manhãs, entro nas redes sociais e começo a seguir cinco ou dez novos canais e grupos. Agora existem 300 ou 400 em várias plataformas”, defende o investigador Michael Krona, especialista em jihadismo na internet e co-autor do livro “The Media World of ISIS”, citado pelo La Vanguardia. A dificultar a tarefa dos investigadores e das autoridades de segurança estão as várias “redes de apoio”, nas palavras de Michael Krona, que o Estado Islâmico foi criando, e que usa a par dos meios oficiais. A capacidade dos jihadistas angariarem apoiantes “aumentou poderosamente” nos últimos anos, defende o investigador, devido a uma maior “descentralização das plataformas”, o que dificulta a monitorização.

A tendência parece ter aumentado com a pandemia, refere, com os extremistas a aproveitarem o confinamento para aliciarem os jovens, que passam mais tempo em casa e ligados à internet. O secretário-geral da ONU, António Guterres, tem advertido para esta situação, e num encontro sobre juventude no final de abril defendeu que existe um “tsunami de ódio e de xenofobia“. Além disso, Guterres sublinhou que os jovens que não estudam ou não trabalham estão mais propensos ao extremismo.

Michael Krona acrescenta que, à medida que o Estado Islâmico procura conquistar seguidores em novos territórios (nomeadamente em vários países africanos e asiáticos), “os seus seguidores estão a abrir os seus próprios canais e grupos nas suas línguas locais. Embora o árabe continue a ser dominante, há mais idiomas em jogo. As notícias oficiais são apresentadas em árabe, mas agora há mais seguidores que as traduzem e divulgam”.

Rita Katz, diretora do observatório antiterrorista SITE, defende que o facto de o Estado Islâmico, que continua a levar a cabo ataques, se mostrar ativo mesmo durante uma pandemia, “representa uma boa oportunidade para o recrutamento”, por exemplo, em campos de deslocados como o de Al-Hol, com centenas de pessoas a viverem sem condições de higiene. Já o Observatório The Soufan Center apontou, a este respeito, que os extremistas têm como alvo os gamers. E segundo o La Vanguardia, as vendas de vídeojogos têm aumentado com a pandemia (no final de março, subiram 43% no espaço de uma semana).