10 dias. Em maio de 1999, há 21 anos, o Manchester United conquistou os três principais títulos pelos quais luta todas as temporadas no espaço de apenas 10 dias. Carimbou a vitória na Premier League, com mais um ponto do que o Arsenal, no dia 16; bateu o Newcastle na final da Taça de Inglaterra no dia 22; e ganhou ao Bayern Munique na final da Liga dos Campeões no dia 26. Nesse jogo derradeiro em Camp Nou, faz esta terça-feira duas décadas, o clube inglês voltou a conquistar a principal competição de clubes da Europa mais de 30 anos depois e confirmou o talento de uma geração maravilha que incluía Andy Cole, Dwight Yorke, Ryan Giggs, os irmãos Neville, Paul Scholes e David Beckham.
Mas também Teddy Sheringham e Ole Gunnar Solskjaer. Os dois avançados eram os substitutos dos titulares Cole e Yorke, formando um quarteto de luxo que já raramente se encontra nos plantéis atuais dos clubes europeus, e juntos escreveram uma história que foi várias vezes recordada na época passada, depois das remontadas que Liverpool e Tottenham protagonizaram nas meias-finais da Liga dos Campeões que os reds acabaram por conquistar. Afinal, a Champions é a liga dos sonhos, o sítio onde tudo pode acontecer e onde o mais improvável é o que normalmente acaba por surgir. Contra Barcelona e Ajax, reds e spurs não tinham as principais referências ofensivas: Firmino e Salah de um lado, Harry Kane do outro. Saltaram para os onzes iniciais Origi e Lucas Moura, os grandes obreiros e responsáveis das reviravoltas que colocaram Liverpool e Tottenham na final do Wanda Metropolitano. Os improváveis, como não podia deixar de ser, saltaram do banco de suplentes para resolver os problemas. E há 21 anos, no caso do Manchester United, esse salto foi literal.
Depois de eliminar Inter e Juventus nos quartos e nas meias-finais, o Manchester United encontrava na final o Bayern Munique, que tinha deixado para trás o Kaiserslautern e o Dínamo Kiev. Alex Ferguson defrontava Ottmar Hitzfeld, que é como quem diz, um treinador que orientava a mesma equipa há 13 anos enfrentava um treinador que tinha chegado a Munique no início daquela temporada e que nos seis anos anteriores tinha estado no comando do Borussia Dortmund. Na final, sir Alex não surpreendia e lançava a dupla atacante habitual, ao passo que Hitzfield tinha enquanto principal referência o veterano Matthäus. O Bayern colocou-se em vantagem logo ao minuto 6, com um golo de Mario Basler, e geriu a partida quase até ao apito final: conforme o relógio se aproximava do momento em que o mítico Pierluigi Collina colocaria fim ao último jogo da temporada, mais os adeptos do Manchester United acreditavam que o dia 26 de maio de 1999 ficaria para a história como mais um capítulo da máxima onze contra onze e no final ganha a Alemanha.
Mas era a Liga dos Campeões. A competição onde, novamente, os sonhos acontecem e os improváveis tomam o lugar de protagonistas. Antes de Origi e Lucas Moura, apareceram Sheringham e Solskjaer. O primeiro entrou aos 67 minutos para substituir o sueco Blomqvist e o segundo, o atual treinador do Manchester United, foi chamado já nos últimos dez minutos, para o lugar de Andy Cole. “O Ferguson disse-me ao intervalo que se o resultado continuasse igual, se continuássemos a perder, eu entrava aos 10, 15 minutos da segunda parte. Acho que a memória mais presente que tenho é pensar: ‘Espero que o resultado não mude’. Não era inveja, eu só queria fazer parte do espetáculo vencedor. Não queria nada que déssemos a volta e acabássemos por ganhar sem eu chegar a entrar”, contou Sheringham ao Daily Mail, numa entrevista onde recordou aquela noite em Camp Nou e confessou que torceu pelo Bayern durante os minutos em que esteve no banco para ter a oportunidade de entrar e jogar aquela que seria a primeira e única final da Liga dos Campeões da carreira do internacional inglês.
No primeiro minuto de descontos, quando as fitas do Bayern já eram colocadas no troféu, Sheringham intercetou um remate fraco de Ryan Giggs e enganou Oliver Kahn, empatando a partida e congelando os adeptos alemães que se deslocaram até Barcelona. “O Giggs rematava autênticos mísseis de pé direito mas também atirava alguns muito maus. Este foi um mau. Veio até mim a saltar e eu dei-lhe de raspão. Tentei rematar o mais forte que pude quando me virei mas a bola nem me acertou no pé e só raspou no tornozelo. Só a empurrei”, recorda Sheringham. Dois minutos depois, aos 90+3′, Beckham bateu um canto na direita, o avançado inglês desviou de cabeça e Solskjaer apareceu ao segundo poste a confirmar a reviravolta e a conquista europeia do Manchester United. Em três minutos, os red devils davam a volta ao resultado e levantavam o terceiro troféu no espaço de 10 dias.
“Eu e o Ole [Gunnar Solskjaer] falámos um instante quando estávamos a voltar para a linha de meio-campo depois de eu marcar. ‘Ótimo, temos mais meia-hora nesta arena inacreditável e nesta noite especial, vamos aproveitar’, porque achávamos que íamos a prolongamento. Quarenta segundos depois, estamos do outro lado e o Ole ganha um canto. ‘Espera aí, podemos ganhar isto. Eu gosto de cantos. Sou bom a antecipar-me nos cantos. Estou fresco, posso saltar três metros. O Beckham sabe onde pôr a bola’. Saltei demasiado cedo e senti que se tentasse cabecear à baliza ia passar por cima porque eu estava a cair. A única coisa que consegui fazer foi desviar para a área e esperar que alguém estivesse lá. E o Ole aproveitou com alegria”, contou Teddy Sheringham ao Daily Mail, acrescentando que 21 anos são mais de 7 mil dias e que já deve ter falado sobre aquela noite de maio de 1999 cerca de 7 mil vezes.
Na entrevista, o antigo avançado inglês que só terminou a carreira em 2008, aos 42 anos, revela ainda que já fez as pazes com Andy Cole, antigo colega de equipa. O zanga entre os dois jogadores era conhecida e um dado adquirido — já que os dois não trocavam qualquer palavra, nem sequer no dia da final da Liga dos Campeões –, ainda que o motivo pareça algo volátil. Sheringham e Cole cortaram relações em 1995, quando o segundo se estreou pela seleção inglesa ao substituir o primeiro e achou que este o ignorou na linha lateral e não o quis cumprimentar. O desconforto agudizou-se três anos depois, já enquanto colegas em Old Trafford, devido a um golo concedido frente ao Bolton, e desde aí a relação entre os dois jogadores parecia ser irrecuperável. Até ao ano passado, segundo Sheringham. “Odiei-o pessoalmente durante 15 anos. Nunca nos demos. Mas já fizemos as pazes. Fui sair com os meus amigos e ele estava no mesmo sítio com a mulher. Vi-o a dirigir-se a mim e pensei: ‘Calma’. Não vinha a sorrir. Mas depois esticou a mão e disse: ‘Vamos deixar o passado ser passado e pôr tudo para trás das costas’. Cumprimentei-o e foi isso”, adianta, colocando um ponto final naquela que foi a principal zanga da Premier League durante 20 anos.
Solskjaer, o herói de Camp Nou, é agora treinador da equipa onde jogou durante 11 temporadas; Giggs, os irmãos Neville, Beckham, Scholes e Butt, todos juntos, são donos do Salford City, que joga na quarta divisão inglesa; e Teddy Sheringham, que deixou a carreira de treinador depois de em 2018 ser despedido do Atl. de Calcutá, cumprimentou Andy Cole depois de 15 anos de relações cortadas.
"But they never give in – and that’s what won it.” – Sir Alex Ferguson.
Today marks the anniversary of that magical night in 1999 – Ole's injury-time goal won us the #UCL to complete the Treble.
History was made. ✨????????????✨ pic.twitter.com/nMlXqtDJyw
— Manchester United (@ManUtd) May 26, 2020