“Hoje vou falar sobre cinema”, respondeu a ministra da Cultura quando o Observador lhe perguntou o que se passa no setor da Cultura, onde se sucedem manifestações, marchas e outros protestos de artistas e técnicos. A governante visitou nesta segunda-feira de manhã o Cinema Medeia Nimas, em Lisboa, a convite do empresário e produtor de cinema Paulo Branco, para assinalar o início da reabertura de salas de cinema, teatros e recintos de espetáculos, após quase três meses de encerramento devido às medidas de contingência face ao novo coronavírus. Sobre se os protestos a preocupam, Graça Fonseca não quis dizer nada. “Quero falar de salas de teatro e salas de cinema, que reabrem hoje.”
Por outro lado, perante perguntas acerca de apoios previstos pelo Governo para salas de cinema independente, a governante começou por referir a programação do Nimas para a reabertura, a 10 de junho — os filmes Non, ou a Vã Glória de Mandar, de Manoel de Oliveira, e 2001: Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick. “É uma programação extraordinária. O cinema tem esta particularidade de nos desafiar a pensar. Esta dimensão da redescoberta do cinema é muito importante”, lembrou.
A seguir, acrescentou estar a “lutar” por verbas do orçamento suplementar que o Governo tem em preparação e por acesso aos fundos já anunciados pela Comissão Europeia. “A batalha será sempre para que a cultura tenha um apoio expressivo e importante nesses dois momentos. É nisso que estamos a trabalhar”, garantiu a ministra da Cultura.
Já as críticas de vários agentes culturais, incluindo o Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos (Cena-STE), às regras do Ministério da Cultura e da Direção-Geral da Saúde para reabertura de salas e recintos de espetáculos, levaram a ministra a fazer de Paulo Branco um exemplo:
“O Paulo Branco explicou bem que manteve a equipa a funcionar, que tem aqui 50% da capacidade da sala. Na verdade, tem mais, porque quem coabita pode ficar junto numa sala de cinema”, explicou a ministra. “O Paulo Branco marcou os lugares, oferece uma máscara para se algum de nós se esquecer ao entrar aqui, toda a sala está higienizada, as condições estão garantidas. Isto é que é importante realçar. Uma sala como esta, no dia 1 de junho, está aberta, cumprindo com todas as orientações da DGS e com aquilo que foi possível fazer de esforço ao longo deste tempo. Isso é que importa realçar hoje.”
A origem dos 30 milhões de euros de programação cultural prometidos aos municípios pelo primeiro-ministro, António Costa, ficou por esclarecer. “Quero falar sobre cinema, reabertura, salas de espetáculo, convidar as pessoas”, justificou novamente. De acordo com notícias do jornal Público, e também na opinião do antigo secretário de Estado da Cultura Jorge Barreto Xavier, os 30 milhões não constituem dinheiro novo para as artes, mas uma subtração parcelar ao programa já existente Cultura para Todos.
A titular da pasta da Cultura deixou um apelo para que os portugueses “voltem às salas de cinema, voltem às salas de teatro, voltem a ouvir música quando pudermos ouvir música ao vivo”, porque “precisamos muito de voltar à vida através da cultura”.
“Não sei como é que se come pipocas com máscaras”
Além de Graça Fonseca, esteve presente na conferência de imprensa convocada por Paulo Branco para esta segunda-feira a vereadora da Cultura da Câmara de Lisboa, Catarina Vaz Pinto. “Temos de ter enorme transparência e justiça”, justificou Paulo Branco. “Ao convidar a comunicação social, convidei também todos os parceiros que apoiam, mais ou menos, as atividades. A Câmara de Lisboa e o Ministério da Cultura, apoiam a exibição independente. Podemos discutir se mais, se menos, mas apoiam.”
O momento serviu para divulgar a agenda do Nimas entre 10 de junho e 8 de julho, ou seja, o primeiro mês de regresso à atividade, e para exibição de A Cidade Branca (1983), de Alain Tanner. A reabertura no Dia de Portugal já era conhecida. Os bilhetes vão custar seis euros para filmes clássicos, oito euros para estreias e quatro euros para sessões à hora do almoço. As propostas incluem a estreia de Quarto 112, de Christophe Honoré (11 de junho), um ciclo dedicado a Luis Buñuel com cópias digitais restauradas e ainda o ciclo “Roman Porno”, com seis películas da década de 70 aos anos 2000 da mais antiga produtora de cinema do Japão, a Nikkatsu. Outra novidade: a longa-metragem Mosquito, de João Nuno Pinto, que se estreou em Portugal no início de março, nas vésperas da chegada da pandemia, vai agora estrear-se em França a 24 de junho.
Além disso, Paulo Branco anunciou as datas de reabertura de outras salas de cinema que explora em diversas cidades: Teatro Académico Gil Vicente (Coimbra) nesta segunda-feira, Charlot (Setúbal) a 8 de junho, Campo Alegre (Porto) no dia 11 e o Theatro Circo (Braga) no dia 15. A única sala da Medeia sem data de regresso é a do Centro de Artes e Espetáculo da Figueira da Foz.
Segundo Paulo Branco, tendo o Nimas 220 lugares sentados, “pela lei” podem agora estar presentes 110 espectadores. As normas conhecidas a 26 de maio impõem em teatros e cinemas o uso de máscara facial, que os lugares sejam todos obrigatoriamente sentados e que haja um assento de intervalo entre espectadores que não sejam coabitantes. “Vamos seguir à regra” as normas existentes, sublinhou o empresário. A bilheteira passará a dar para a rua e só entram espectadores para um nova sessão depois de os anteriores terem todos abandonado o edifício.
“As salas independentes, e sobretudo esta, têm esta particularidade: quem aqui vem ver um filme vem descobrir e mergulhar numa obra de arte. Não há intermediários. Não há pipocas, não há publicidade e também não vendemos assinaturas de canais de cabo ou outra coisa”, disse Paulo Branco, referindo-se às salas dos centros comerciais, nomeadamente as da NOS Audiovisuais. “Há problemas para os multiplexes. Não sei como é que se come pipocas com máscaras. Eu não queria estar na posição da NOS neste momento. É uma situação muito complicada. A rentabilidade deles é de pipocas e de oferta de bilhetes. O cinema, para eles, é o veículo de outras fontes de rendimento.”
Perante uma pergunta sobre críticas recentes de representantes de distribuidores e exibidores, que discordam da reabertura a 1 de junho e propuseram ao Governo o dia 2 de julho — por alegarem que até lá não há estreias nacionais e internacionais “com competência para mobilizar públicos” —, Paulo Branco ironizou. Segundo ele, a Associação Portuguesa de Defesa de Obras Audiovisuais (FEVIP) é a “associação das majors americanas”. “Há dezenas de filmes comprados pela NOS, sobretudo independentes. Podiam estreá-los agora. Que não tenham os blockbusters de que estão à espera, é diferente. Toda a política deles foi feita, para mim, de uma maneira anti-cinematográfica”, daí as queixas atuais, sustentou.
Paulo Branco agradeceu à sua “equipa extraordinária” e informou que durante o confinamento pediu lay-off simplificado para dois projecionistas e dois operadores de bilheteira, “mas assegurando a integralidade do salário”. Perguntado sobre se as plataformas de streaming tiram espectadores às salas de cinema, principalmente depois do período da pandemia em que a utilização da internet funcionou como alternativa, Paulo Branco desvalorizou. “As pessoas sabem que ver um filme em streaming não tem nada a ver com uma sala de cinema. Quem consome streaming é quem consome telenovelas, isso não nos cria problemas. O streaming não me assusta nem me seduz. Não inventa realizadores, pelo contrário. Ninguém no streaming consegue atingir a notoriedade de grande realizador.”
O empresário disse ainda que aquele não era o “sítio para falar de apoios” do Ministério da Cultura ao cinema. “Cada um de nós merece mais, mas agradeço ao Instituto do Cinema, ao Governo e às autarquias a maneira como enfrentaram este período e agilizaram algumas soluções. Se podíamos ter mais ou menos, é outra coisa”, referiu.