A comparação dos casos veio da direita, primeiro do PSD e depois do CDS, os dois partidos que estavam no Governo quando António Borges foi contratado como consultor para as privatizações. Os deputados Adão e Silva e Telmo Correia aproveitaram o debate quinzenal desta quarta-feira para confrontar o primeiro-ministro com declarações suas sobre o então consultor do Executivo de Passos Coelho.

E fizeram-no para realçar o que entendem ser uma contradição de António Costa, que escolheu António Costa Silva – um homem referido na imprensa como uma espécie de para-ministro – para elaborar o plano de recuperação económica de Portugal.

Sobre Borges, António Costa considerou em 2012 que não era “admissível que uma pessoa seja ministro para todos os efeitos menos para o estatuto constringente da função ministerial. É um escândalo aceitar, e escrever-se olimpicamente, que António Borges é o 12º ministro”.

Estas declarações foram feitas quando Costa era Presidente da Câmara de Lisboa, no programa de comentário político em que participava na altura, a Quadratura do Círculo, da SIC Notícias. Esta quarta-feira, o primeiro-ministro explicou que só as proferiu porque o então consultor foi ao Parlamento falar em nome do Governo do PSD/CDS, daí a designação de 12º ministro, ou “ministro-sombra”, como chegou a ser descrito o papel de António Borges enquanto assessor para a área das privatizações.

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Oito anos e governos de cores diferentes separam os dois casos. Além de António Costa, que na altura era um comentador do maior partido da oposição e hoje é primeiro-ministro, o que mais têm em comum as duas contratações?

A contratação

António Borges, neste caso a sua empresa, a António Borges Diogo Lucena, foi contratada por uma empresa do Estado, a Parpública, para ajudar o Governo de Pedro Passos Coelho a executar um ambicioso programa de privatizações negociado com a troika. Borges foi escolhido por ajuste direto, mas poucos poderão questionar o currículo profissional deste gestor que antes de aceitar esta missão tinha sido o diretor para a Europa do Fundo Monetário Internacional, função que abandonou por problemas de saúde que acabaram por resultar na sua morte, em agosto de 2013.

António Borges foi consultor para as privatizações entre 2012 e 2013

Ligado ao PSD, mas sem nunca exercer cargos de destaque, António Borges tinha uma carreira de sucesso nos negócios internacionais, tendo sido vice-presidente da Goldman Sachs Europa e diretor da Insead, escola de negócios de Paris. O contrato de prestação de serviços com a empresa de António Borges foi celebrado em 2012 e representava o pagamento de 25 mil euros mensais brutos, tendo sido renovado por um ano.

António Costa Silva terá sido uma escolha pessoal do primeiro-ministro para coordenar a elaboração do plano de recuperação económica num horizonte a dez anos que Portugal tem de apresentar à Comissão Europeia, como contrapartida do pacote de apoios previstos para países da União Europeia. Pelo despacho de nomeação, é um contributo individual e autónomo da sua atividade profissional de presidente da Partex Oil and Gás, a petrolífera que a Fundação Gulbenkian vendeu a investidores tailandeses no ano passado. A sua colaboração será pro bono (ou seja, não vai receber) e o plano final será coordenado pelo ministro da Economia, Pedro Siza Vieira.

A sua escolha é fundamentada pela “idoneidade, experiência e competências são publicamente reconhecidas”. Para além de presidente da Partex, Costa Silva é um académico e um especialista em geoestratégia da energia e no Médio Oriente.

Os consultores a falar em nome do Governo

A notícia que dava conta da sua contratação, avançada pelo Expresso, indicava que Costa Silva já tinha reunido com vários ministros do Governo de António Costa e se preparava para falar também com parceiros sociais e partidos da oposição. Era, aliás, nesta notícia que o gestor era descrito como uma espécie de para-ministro.

António Costa Silva já esclareceu que não vai falar com partidos

E terá sido a ideia de que o Costa Silva ia negociar ou discutir com os partidos as prioridades de um futuro plano que começou a geral algum desconforto junto de alguns partidos que da esquerda à direita se apressaram a sublinhar que só discutiam o tema com o Governo e os seus membros. Aliás o próprio Costa Silva veio esclarecer que não iria negociar com os partidos, afastando a possibilidade também levantada em algumas especulações de vir a integrar o Governo, pelo menos para já.

Já o consultor António Borges foi de facto ao Parlamento em maio de 2012 explicar as circunstâncias que levaram a Caixa Geral de Depósitos a aceitar vender a sua participação na Cimpor, então a maior cimenteira portuguesa, numa oferta publica de aquisição (OPA) lançada pelo grupo brasileiro Camargo Corrêa.

No entanto, a audição do assessor do ministro Vítor Gaspar para as privatizações foi pedida pelo próprio PS, ainda que na altura o partido fosse liderado por António José Seguro. António Borges defendeu no Parlamento que a venda da posição da Caixa foi feita a um preço correto e que a operação era do interesse do país, tese que o futuro veio a desmentir com o desmantelamento da cimenteira.

Para quem foram contratados

As funções que António Costa Silva vai desempenhar estão bem definidas e balizadas no despacho de nomeação divulgado esta quarta-feira. O gestor vai assegurar a coordenação dos trabalhos preparatórios de elaboração do Programa de Recuperação Económica e Social 2020-2030. Ou seja, nem sequer se pode dizer que Costa Silva vai desenhar o plano, até porque – como Siza Vieira deixou claro no Parlamento – todas as decisões serão do Governo e a coordenação pertence ao ministro da Economia.

Na tarefa que lhe foi atribuída, Costa Silva tem ainda um guião para seguir e que parte dos planos estratégicos já aprovados pelo Governo para os setores da energia, clima, hidrogénio, transição digital e investimentos em infraestruturas de transportes que devem ser reavaliados e adaptados à necessidade de puxar pela economia na era pós-covid.

Já no caso de António Borges, as prestação de serviços era mais abrangente e terá, em alguns casos, ultrapassado os limites do contrato que assinou com a Parpública para uma consultora que ia desde o desenho do modelo das privatizações até às parcerias público privadas (PPP).

Foi o que aconteceu na OPA sobre a Cimpor lançada em maio de 2012 e à qual a Caixa Geral de Depósitos demorou apenas cinco minutos a dizer que sim. Esta foi uma decisão polémica, tomada à revelia de pelo menos uma parte da administração do banco do Estado, e que ficou associada à intervenção direta do consultor de Vítor Gaspar que passou a ter a reputação de ministro-sombra para as privatizações. Mas se Borges levou a sua avante no que toca à Cimpor, já a privatização da RTP – que também defendeu – não se fez.

Negociador de António Costa. “Não preciso de ter contrato para ser mais honesto e sério”

Há diferenças claras entre as duas contratações. E já que António Costa lembrou no Parlamento que António Borges foi contratado para assessorar negócios e não para ajuda a definir estratégias, faz mais sentido compará-lo com Diogo Lacerda Machado. O advogado e amigo do primeiro-ministro começou por se envolver na negociação dos termos da privatização da TAP e acabou por assinar um contrato de consultoria jurídica com o gabinete do primeiro-ministro. O contrato que envolveu a ainda a prestação de serviços na negociação de uma solução para os lesados do BES tinha o valor de 20 mil euros mensais.

Lacerda Machado também foi ao Parlamento, chamado pelos deputados da oposição, para explicar o contrato feito com o Governo para dar consultoria à renegociação do contrato de venda da TAP assinado pelo Executivo do PSD/CDS. Este processo resultou no acordo parassocial em que o Estado não interfere na gestão, apesar de ter reforçado a sua participação na empresa para 50%. O advogado viria a ser nomeado para o conselho de administração da TAP em 2017, cargo que ainda ocupa.