Esta quarta-feira é dia do regresso dos tribunais ao seu funcionamento normal, que vai ser marcado por uma visita da ministra da Justiça ao tribunal de Loures. Mas apesar de o Governo garantir que foram gastos 600 mil euros em aquisição de equipamentos de proteção social para os tribunais, e de garantir que das 824 salas de audiências identificadas em todo o país, um total de 91,8% está apta a funcionar de acordo com as indicações da DGS, os dirigentes sindicais da magistratura não têm o mesmo entendimento.

António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, antevê em declarações à Rádio Observador que essa abertura de portas “será assimétrica e gradual” e que só os pequenos julgamentos, com poucos arguidos e testemunhas, é que poderão ocorrer. Os restantes, não têm condições para cumprir normas da DGS. “Não temos ilusões”, disse esta manhã.

“Se se cumprirem as normas da DGS, muitos dos sítios não poderão funcionar nos tempos normais”, diz António Ventinhas, explicando que o problema de base tem a ver com as “infraestruturas” e as “instalações” dos tribunais, na medida em que muitos deles funcionam em blocos de escritórios que têm “limitações evidentes”. Outro problema tem a ver com a “limpeza para fazer a higienização” das salas e o “número de salas disponíveis com o tamanho certo para a realização de audiências”. Não há meios para tratar todos como iguais. Logo, muitos dos julgamentos vão ficar para trás.

Daí que o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público afirme ao Observador que esse regresso dos tribunais será “assimétrico”, porque vai variar consoante os equipamentos disponíveis, e será “gradual”, porque só à medida que se forem implementando novos procedimentos é que se consegue alargar a realização de julgamentos maiores.

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Tribunais: “Abertura será assimétrica e gradual”, explica António Ventinhas

“Começam agora os pequenos julgamentos, com poucos arguidos e poucas testemunhas, mas quanto ao início de grandes julgamentos nos próximos tempos será difícil porque as salas não comportam”, disse ainda, insistindo que “vão existir muitos constrangimentos ao nível dos espaços para cumprir as normas da DGS, o que vai implicar que algumas diligências fiquem para trás”.

Também o Sindicato dos Funcionários Judiciais admite,em declarações à Rádio Observador que vai ter de haver uma nova normalidade no funcionamento dos tribunais, sendo que o regresso não é um regresso ao que era antes. Afirmando que a ministra da Justiça deu a garantia de que haverá material de proteção individual em todas as salas de todos os tribunais, Fernando Jorge tem mais dúvidas quanto à regra do distanciamento social.

“Julgo que na grande maioria dos tribunais haverá as condições necessárias de desinfestação, de uso de máscaras, gel desinfetante, isso foi-nos garantido pela ministra da justiça há uma semana. Poderá haver algumas falhas num lado ou outro, mas há um aspeto que é mais difícil de cumprir que é a questão do distanciamento: há salas de audiências muito pequenas, há secretarias onde os funcionários estão sentados encostados uns aos outros, até têm de pedir licença para passar, e vai ser impossível trabalhar nesses moldes”, disse ao Observador, sugerindo que o teletrabalho é uma opção para manter.

“Não vamos voltar à normalidade de um dia para o outro, vai demorar algum tempo”, disse ainda Fernando Jorge, presidente do sindicato dos funcionários judiciais.

Reabertura dos tribunais: “É impossível trabalhar nesses moldes”, admite Sindicato dos Funcionários Judiciais

Ao jornal Público, também a Associação Sindical de Juízes Portugueses mostrou preocupação com a reabertura de portas sem as condições garantidas em todo o país, antevendo que os magistrados deverão recusar-se a fazer julgamentos em salas de audiências que não garantam condições sanitárias suficientes para enfrentar a pandemia.

As medidas recomendadas são várias, e muitas vezes consideradas impraticáveis em função das instalações existentes. O documento produzido pelas direções-gerais da administração da Justiça e da Saúde, e que contou com o acordo dos conselhos superiores de magistrados, intitulado Medidas para Reduzir o Risco de Transmissão do Vírus nos Tribunais, determina, por exemplo, que as janelas dos tribunais devem ser abertas com frequência, para renovar o ar e deixar entrar a luz, mas a verdade é que muitas das salas das audiências são em salas interiores sem janelas.

O uso de ar condicionado é recomendado só em modo de extração, sem recirculação do ar, mas o estado dos sistemas de ventilação dos tribunais tem sido, ao longo dos anos, uma das queixas dos juízes das várias comarcas. Ou seja, sem condições de higiene mínimas garantidas, há quem veja como difícil cumprir as normas da DGS. Para António Ventinhas, contudo, não há “ilusões”. Nada será como antes. “Não podemos pensar que, por decreto, se voltou à normalidade, não podemos ter essa ilusão, porque isso não vai acontecer. A não ser que se violem as normas da DGS, mas isso não é desejável”, disse ao Observador, afirmando que é a gestão das comarcas que terá de encontrar esse equilíbrio difícil.

Ministério da Justiça garante que há condições

Num comunicado enviado às redações esta terça-feira à noite, o Ministério da Justiça garante que, depois de um levantamento exaustivo junto das comarcas, a grande maioria das instalações foi considerada “apta” para retomar o funcionamento normal de acordo com as normas de distanciamento da DGS.

“Nos 315 edifícios dos tribunais judiciais, existe um total de 824 salas de audiências. Considerando um distanciamento entre intervenientes de 2 metros, e de acordo com a informação recolhida junto das comarcas, foram consideradas aptas para a realização de audiências de julgamento, 757 salas, o que corresponde a 91,8% do total de salas existentes”, lê-se no comunicado.

Dessas 757 salas de audiências, o ministério diz ainda que 118 (15,6%) têm uma área menor ou igual a 49 m2; 415 (54,8%) têm uma área entre os 50 m2 e os 99 m2; e 224 (29,6%) têm uma área igual ou superior a 100 m2.

Mais: nas 16 instalações dos tribunais Administrativos e Fiscais, foram ainda identificadas 48 salas de audiências, das quais só três não foram consideradas aptas para garantir a distância exigida de dois metros, o que corresponde a quase 94% da totalidade das salas destes tribunais. Destas 45 salas consideradas aptas, 20 (44,4%) têm uma área menor ou igual a 49 m2; 22 (48,9%) têm uma área entre os 50 m2 e os 99 m2; e 3 (6,7%) têm uma área igual ou superior a 100 m2.

Em termos de equipamentos e produtos de proteção individual, o Ministério da Justiça dá ainda conta de que gastou até agora mais de 600 mil euros, nomeadamente para a aquisição de 340 máscaras, 11.071 viseiras, 96.540 pares de luvas, 276 termómetros para salas de isolamento e 785 separadores acrílicos para áreas de atendimento. Em serviços de limpeza está prevista uma despesa anual de cerca de 5.000.000,00 euros.

“Várias comarcas têm procedido a reorganizações e adaptações para aumentar a capacidade das salas, com base num distanciamento mínimo de um metro, solução que implica, para além de máscara cirúrgica, o uso de viseiras (como adjuvante, nos casos em que não haja separadores acrílicos)”, lê-se ainda no comunicado, onde o Ministério da Justiça garante que há condições para o regresso dos tribunais ao ativo na plenitude de funções.

Também numa nota enviada à comunicação social, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, António Joaquim Piçarra, quis assinalar o dia, deixando uma mensagem de “confiança aos cidadãos sobre o funcionamento dos tribunais judiciais portugueses, na certeza de que os juízes estão conscientes da sua responsabilidade na recuperação da normalidade da justiça e do país”.

*artigo atualizado com informações do Ministério da Justiça