Mais de 20 músicos da Orquestra Sinfónica de Cascais sobem hoje ao palco do Grande Auditório da Boa Nova, naquela vila, com máscaras e sem instrumentos de sopro, naquele que será o primeiro concerto pós pandemia.

Na plateia, reduzida a um terço, vão estar apenas pessoas que trabalharam na primeira linha da luta contra a covid-19 porque, afinal, este é um concerto que quer homenagear todos os que estiveram envolvidos no combate à doença.

A pouco mais de meia hora de começar o último ensaio para o concerto de regresso da Orquestra Sinfónica de Cascais já se sente o burburinho nos bastidores do Auditório da Boa Nova.

Depois de uma semana de ensaios, que começaram no Conservatório de Cascais com a orquestra dividida em grupos de cinco músicos, finalmente estão reunidos todos os 22 que vão encher o palco hoje à noite e onde, por questões de segurança, não vão estar instrumentos de sopro, como as flautas ou os trompetes.

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As medidas de higiene e segurança são uma constante, mas os músicos estão a encará-las com algum à vontade.

“Na realidade, até tem sido divertido”, diz à agência Lusa Cátia Santos, que toca viola de arco e que já se habituou à rotineira medição da temperatura ou a ter de desinfetar os sapatos antes de pisar o palco.

“Estarmos novamente juntos é muito bom”, sublinha, ansiosa por voltar a tocar perante o público. “Depois de dois meses em casa é um concerto que todos esperávamos, ainda que com um bocadinho de medo. Estamos todos um pouco assustados, mas é muito bom porque estamos juntos e podemos fazer aquilo de que gostamos. Estava farta de estar em casa”, desabafa Cátia.

A liderar os 22 músicos que vão tocar para cerca de 200 pessoas vai estar Nicolay Lalov. O alinhamento pode até nem ser complicado, mas o maestro de origem búlgara reconhece que a ocasião é “uma grande alegria”.

“Por um lado, é uma grande alegria estarmos de volta, todos juntos, por outro, um pouco estranho por tudo o que passámos nos últimos meses e agora voltarmos com menos músicos, um repertório alterado, a ter que pensar nas distâncias, máscaras… mas tem de ser e vamos avançar com a mesma alegria, entusiasmo e vontade de fazer música”, garante.

A viver dias “especiais”, o maestro diz que para este concerto encarnou também o papel de médico, ao ajudar nos testes de despistagem a que toda a orquestra foi sujeita, e explica que a principal “queixa” dos músicos tem sido o desconforto causado pelas máscaras. Ele próprio ainda não se habituou.

“Preciso sempre de comunicar com os olhos e com a face. Temos a indicação de que podemos tirar as máscaras durante o concerto, mas, seja como for, os meus músicos estão preparados para tocar sem o maestro”, diz bem disposto, adiantando que o repertório também o permite e que o seu trabalho desta vez ficou mais circunscrito aos ensaios.

Na plateia do Auditório da Boa Nova vão estar sentados profissionais da saúde do hospital e centros de saúde de Cascais, polícias, elementos da proteção civil, bombeiros e funcionários da Câmara Municipal de Cascais (CMC).

Nicolay Lalov elogia a justiça desta homenagem, mas revela que ela se estende a mais pessoas.

“Quando estive a analisar o repertório, procurei também fazer uma homenagem a todos aqueles que tiveram uma luta grande ou sofreram durante estes três meses. Por exemplo, as crianças, que passaram este tempo fechadas em casa, os avós, os médicos e todos aqueles que estavam na primeira linha. Cada uma das peças vai ser dedicada a essas pessoas e acho que vale a pena a orquestra mostrar este seu apoio”, declara o maestro.

Nicolay Lalov termina a entrevista à Lusa enunciando os dois objetivos que o fizeram lançar o desafio de organizar este evento à Câmara de Cascais: “Queremos cumprir todas as regras e ser um exemplo, mas, por outro lado, mostrar ao público que a vida continua e que, pouco a pouco, temos de voltar ao normal, pois, mesmo durante a guerra, a arte e a cultura continuaram”.

Num dos corredores que dá acesso ao palco ouve-se o som harmonioso do violino de Lilia Donkova. Fala emocionada deste regresso e diz que em cada nota procura consagrar todos os que a pandemia impediu de darem a conhecer a sua arte.

“Este concerto é muito emocionante para nós e para todos os músicos, que espero que em breve tenham oportunidade de voltar ao palco. Aliás, acredito que, com os devidos cuidados, vamos todos retomar a nossa atividade e trazer cultura às pessoas, que é extremamente importante”, salienta ao mesmo tempo que a máscara lhe foge do rosto.

“É o mais complicado, ainda por cima usando óculos. Isto também nos obriga a dar valor aos médicos, que têm muito mais equipamento do que nós. E, se eles conseguem, nós temos de conseguir!”, conclui.

O concerto da Orquestra Sinfónica de Cascais realiza-se no âmbito do 656º aniversário da vila. Normalmente tem lugar na baía de Cascais e é gratuito para todos, mas, este ano, devido à pandemia de covid-19, terá lugar no auditório da Boa Nova e será transmitido em direto nas redes sociais.

Do alinhamento fazem parte peças de Mozart, Schubert, Strauss e Tchaikovski.