Desabafos? Quem nunca. Na rua, no café, nas redes sociais, em frente a uma câmara, sozinho, acompanhado. Foi a partir de uma simples ideia — desabafos — que André Murraças desenvolveu a sua nova série. E, sim, chama-se “Desabafos”. Cinco lisboetas, em casa, que começam a desabafar para uma câmara. Sobre os seus problemas, sobre coisas que os apoquentam. Será assim a ação desta websérie de cinco episódios, de 10-12 minutos cada, que semanalmente serão publicados online. Em cada episódio, uma das cinco personagens apresenta o seu desabafo do dia. Segundo Murraças, “o texto está fechado e foi feito com o cuidado de poder ser dito e feito para este formato. Não dá para improvisar muito, senão alonga-se e sai do foco.”

Os desabafos não serão dos atores. Mas também não serão os de André Murraças. Serão temas, assuntos, que o dramaturgo/encenador/argumentista tem observado como presentes na nossa sociedade nos últimos anos:

“O tom da série é o da panela de pressão, as pessoas estão muito cheias, quase a rebentar. Interessa-me esse ponto do prestes a estourar. Porque é que as pessoas estão sempre tão irritadas, porque estamos a refilar com tudo. Será que são desabafos só, porque correu mal o dia, ou há coisas importantes que têm de ser ouvidas e mudadas? Com o empurrão da doença, ainda se mostraram mais frágeis, precisam realmente de mudar, precisamos de falar sobre uma série de coisas e tornar esses problemas em soluções.”

O formato de cinco episódios de curta duração refletem a ideia de que “Desabafos” é “um projeto que tem esse lado de ser feito agora para agora”. Mas isso não quer dizer que a ideia tenha surgido neste exato momento ou que a ideia central gire em volta do confinamento, do isolamento e dos diversos problemas que a pandemia causou no quotidiano, nas pessoas, nas suas relações, empregos e profissões. Bem pelo contrário.

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[o tema que abre “Desabafos”:]

“[“Desabafos”] É um projeto antigo, vem no seguimento de outra websérie que fiz [“Barba Rija”]. Na altura andava a colecionar ideais para sketches que mostrassem pessoas a refilar, a desabafar. Sobre os problemas do dia-a-dia, coisas que estamos sempre a implicar com. Ao fim de um certo tempo, tinha uma série de coisas já agrupadas e lembrei-me que isto poderia ser uma websérie. Fui agrupando estas ideias em personagens. Esteve para ser uma série com outro tipo de produção, mas entretanto apareceu este vírus e com ele surgiu o concurso da Câmara Municipal para projetos que fossem em cima desta emergência, destes novos tempos. Achei que poderia ser uma boa oportunidade, sobretudo porque são desabafos, são pessoas a falar umas com as outras sobre o que as incomoda. Isto dá-nos uma proximidade que estes tempos recentes mostraram ser importante. Por isso o formato da websérie com alguém a falar para diretamente sobre um problema fazia todo o sentido. Os atores conseguem estar em casa a filmar e é isso que é transformado em episódios”.

A vida online de “Desabafos” manifesta também uma aproximação com o veículo primordial que os gera, assim se desenvolvem e crescem exponencialmente muitas das preocupações e aflições atuais: pelas redes sociais.

“As redes sociais são os novos cafés. As pessoas desancam em toda a gente, perfis falsos para dizer mal disto e daquilo. Transformou-se num café, toda a gente diz mal, toda a gente refila. Talvez valha a pena aproveitar esse espaço e não ser só um muro de lamentações e torná-lo num ponto de diálogo, num sítio onde podemos ter uma conversa. Há muita coisa que está a acontecer por causa das redes sociais: movimentação da pessoas, mobilização para acções, manifestações, há um poder. Temos de aproveitar esse poder.”

Apesar de tudo ter sido feita à distância, André Murraças garante que a urgência com que “Desabafos” foi produzida e realizada não lhe tirou comunicação: “Ela mantém-se e está lá. Foi tudo feito com entrega e generosidade, porque há que aproveitar esta oportunidade e este tipo de comunicação. Não encontrámos muitos obstáculos. É uma maneira diferente de fazer as coisas.”

O realizador/argumentista percebeu que esta nova forma de comunicar e de trabalhar também tem as suas vantagens e gratificações: “O único afastamento que tínhamos era um canal diferente de comunicação. Como são monólogos, se calhar até consegui trabalhar com os atores de uma maneira mais próxima, mais cuidada, porque estava só a dar atenção ao ator que tinha à minha frente. Se fosse num palco, tinha os atores dispersos e tinha de fazer uma direção de grupo com dinâmica diferente. Acho que é uma questão de dinâmica. Não foi uma direção desligada, muito pelo contrário, até nos permitiu estar mais próximos uns dos outros. Este vírus fez-nos ver que temos de procurar alternativas e que até funcionam.”

Os “Desabafos” chegarão à internet nesta sexta-feira. Anabela Brígida, Cláudia Jardim, João Villas-Boas, Manuel Moreira e Miguel Costa são os atores que darão voz – e cara — a algumas das preocupações que afligem o mais mortal dos portugueses. Os detalhes finais dos episódios ainda estão a ser ultimados, com a urgência e limite que um projeto com estas carcaterísticas exige. Contudo, já se pode ouvir o tema que tomará conta do genérico, interpretado pelos Fado Bicha.