Mais do que um jogador conhecido, Hao Haidong é uma espécie de lenda do futebol chinês, ainda hoje, aos 50 anos, o melhor marcador do país (com 97 golos em 178 jogos) e um dos internacionais que jogaram a fase final do Mundial organizado por Coreia do Sul e Japão, em 2002 (a única para a qual a equipa da República Popular da China conseguiu alguma vez qualificar-se).
Por isso mesmo, os vídeos publicados na semana passada no YouTube, em que aparece a criticar dura e abertamente o Partido Comunista Chinês — uma “organização terrorista”, que devia ser “banida da humanidade” —, caíram como uma bomba no país, onde a rede social está proibida, mas as imagens arranjaram forma de chegar.
Na passada sexta-feira, Geng Shuang, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, escusou-se a comentar as “absurdas” declarações de Haidong, captadas a partir de parte incerta. Nas redes sociais chinesas não se falará noutra coisa, garante a CNN. A conta de Haidong no Weibo, o equivalente chinês ao Twitter, foi entretanto apagada, diz o Washington Post — seriam cerca de 8 milhões os seguidores do futebolista-estrela. São por demais conhecidas as acusações de perseguição ao regime, feitas por parte de ativistas e dissidentes políticos, críticos de Pequim.
Num dos dois vídeos publicados no passado dia 4 de junho, 31.º aniversário do Massacre de Tiananmen, Haidong já tinha dito que tanto ele como a mulher, Ye Zhaoying, campeã olímpica e antiga número 1 chinesa de badminton, se consideravam preparados para sofrer os inevitáveis ataques e pressões por parte do regime. “Hoje tomámos a maior e a mais correta decisão das nossas vidas”, garantiu o avançado chinês, que chegou a alinhar pelo inglês Sheffield United.
No primeiro vídeo divulgado, que já foi visto mais de 91 mil vezes, Hao Haidong leu, em chinês, os 18 pontos do manifesto do “Estado Federal da Nova China”, a proposta alternativa de governo apresentada desde Nova Iorque pelo bilionário chinês no exílio Guo Wengui. Steve Bannon, ex-conselheiro de Donald Trump, fez o mesmo recentemente, mas em inglês e num barco, ao lado de Wengui, com a Estátua da Liberdade como cenário.
No segundo filme, em que surge no sofá, sentado ao lado da mulher, o antigo futebolista foi entrevistado ao longo de 53 minutos. “A razão fundamental por que hoje falo contra o Partido Comunista Chinês é considerar que o povo chinês e o futuro da China não devem continuar a ser espezinhados por ele”, diz a dada altura. “Acredito que o Partido Comunista Chinês devia ser banido da humanidade. O fantasma do Comunismo não deve continuar a ser permitido neste mundo. Foi a esta conclusão que cheguei após 50 anos de vida.”
Ao longo da entrevista, Haidong falou sobre o sistema político chinês, a situação do Tibete, a gestão da crise do novo coronavírus e a repressão em Hong Kong — acusando Pequim de violar o princípio constitucional que, durante 50 anos, deveria assegurar as diferenças entre os territórios reunificados e a República Popular da China: “Estão a reprimir brutalmente os defensores da democracia e das liberdades de Hong Kong”.