Os mandatos presidenciais em França têm sido marcados por crises, mas a pandemia veio “apagar” o trabalho político já levado a cabo pelo Presidente, numa altura em que Emmanuel Macron está também pressionado a fazer uma remodelação governamental.

“O mandato de Sarkozy foi marcado pela crise económica de 2008, o mandato de Hollande ficou marcado pelos atentados e o de Macron vai ficar ligado a esta crise da Covid. Mas ao contrário dos predecessores, Macron arranca como que um segundo mandato após esta crise”, disse à agência Lusa Jérémie Peltier, diretor de estudos da Fundação Jean Jaurès.

A Fundação Jean Jaurès é um “think tank” francês que promove diferentes estudos sobre a situação política e social no país.

No rescaldo da pandemia em França, Peltier considera que o Presidente não se deve limitar a salvar a economia francesa, mas a ir mais além caso queira ter argumentos para uma reeleição em 2022.

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Esta crise apagou o trabalho já feito por Emmanuel Macron e ele será lembrado pelo que vai fazer daqui para a frente e tem de ser alguma coisa para além da recuperação económica, senão o Presidente arrisca-se a não ter nada a defender nas próximas eleições”, indicou o politólogo.

Uma sondagem recente lançada pela empresa Odoxa, mostrou que 64% dos franceses esperam agora uma remodelação governamental, mas Jérémie Peltier diz que esta mudança que está a ter “uma verdadeira reflexão” no Eliseu não será feita tendo em conta figuras políticas, mas sim tendo em conta se Macron quer que os próximos dois anos do seu mandato sejam mais à esquerda ou à direita.

Uma figura que se destacou nesta crise e que os franceses querem manter é Édouard Philippe, primeiro-ministro. Durante a pandemia, coube ao primeiro-ministro as explicações mais precisas sobre as diferentes fases do confinamento, com conferências de imprensa que chegaram a durar três horas.

Um lado pedagógico que lhe valeu um ganho em popularidade. Em maio, as principais sondagens situavam a opinião positiva sobre Édouard Philippe em 43,3%, enquanto Emmanuel Macron se ficou na maioria das sondagens abaixo dos 40% – mesmo assim um valor que não conseguia atingir desde a primavera de 2018.

É uma força ter um primeiro-ministro popular, é melhor do que um impopular. Claro que isso pode causar algum nervosismo ao Presidente, mas, em geral, na V República, o primeiro-ministro é frequentemente mais popular que o Presidente, porque está menos exposto e parece menos responsável pelas escolhas menos populares”, considerou Peltier.

O verdadeiro problema que enfrenta agora o executivo é mesmo a falta de confiança dos franceses.

Ao início havia uma grande confiança por parte da opinião pública que gostou da primeira vez que o Presidente se dirigiu ao país, mas a partir do momento em que surgiu o problema da gestão das máscaras, sentiram que lhes estavam a esconder alguma coisa. E, no final da crise, vemos que um em cada dois franceses não confia no Governo”, indicou o politólogo.

Esta desconfiança dos franceses face ao Presidente levou mesmo a que este pedisse uma auditoria independente à gestão da crise da Covid-19, apesar de a própria Assembleia Nacional também ter constituído uma comissão de inquérito às medidas tomadas durante a crise.

A crise levou também a uma alteração no parlamento francês, com o partido Republique En Marche, que elegeu o Presidente em 2017, a perder a sua maioria absoluta devido à formação de dois novos grupos parlamentares com deputados que viraram as costas à maioria.

“Esta cisão não foi uma surpresa. Os deputados que formaram esses grupos eram antigos membros do PS ou dos Verdes e situavam-se à esquerda dentro do grupo do Republique En Marche e já era visível nos debates parlamentares que eram críticos das escolhas da maioria”, comentou Jérémie Peltier, acrescentando que esta mudança não é relevante, obrigando apenas o Republique En Marche a procurar novos entendimentos e negociar mais em matérias que necessitem de maioria absoluta no Parlamento.