Às vezes, aparecem filmes tão insondavelmente maus, tão inacreditavelmente anómalos, que se torna difícil descrevê-los. “The Last Days of American Crime”, de Olivier Magaton, baseado num “comic” e em má hora despejado na Netflix, é um desses filmes, o equivalente cinematográfico dos desastres de Chernobyl, Seveso e Bhopal aglomerados num só, um emissor de vibrações narrativas, emocionais e ideológicas altamente negativas e nocivas, escrito por alguém com o cérebro estacionado em ponto morto, realizado com toda a delicadeza de um operador de uma bola de demolição que usa luvas de boxe em serviço, e contando com interpretações que se dividem em dois grandes grupos: ou histéricas, ou “zombie”.

[Veja o “trailer” de “The Last Days of American Crime”:]

A história, errática, confusíssima, incoerente de babar na gravata, interminável e com mais e maiores buracos do que as ruas de Lisboa sob a vigência da vereação de Fernando Medina, é um cruzamento de ficção científica distópica com pretensões “políticas” (cuidado que vem aí o “fascismo” nos EUA) e de acção sádico-bruta. Num futuro próximo, o governo americano, para obstar ao crime e à desordem social que estão a conduzir o país à anarquia, concebeu uma tecnologia que emite um sinal que interfere com o cérebro das pessoas, impedindo-as de terem comportamentos criminosos. Não se explica como é que a geringonça funciona, nem se vai também afetar, além da bandidagem em geral, a criancinha que surripiou uns trocos do porta-moedas da mãe para comprar “comics” ou gelados.

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O referido sinal irá ser emitido e gerido por uma nova instituição, a American Peace Initiative, que se vai substituir à polícia e deixar os agentes da lei no desemprego, isto sem a menor reação do respetivo sindicato, se fosse com a CGTP a coisa fiava muito mais fino. Um assaltante de bancos chamado Bricke (Edgar Ramirez, que não muda de expressão do princípio ao fim da fita), quer dar um último grande golpe, roubar milhares de milhões de dólares aos governos e fugir para o Canadá. Alia-se então a Kevin Cash (um muito azeiteiro Michael Pitt a canastrar em dois registos, com óculos de sol postos e sem eles), o filho deserdado e ressentido de um grande senhor do crime, e à namorada deste, Shelby (a parada Anna Brewster), uma supermodelo que é também uma “hacker” exímia e gosta de fazer amor á bruta em casas de banho públicas.

[Veja um excerto do filme:]

A partir daqui, é o caos total, com vários subenredos rançosos cruzados por entre um desfile de “clichés” de todo o tipo e de sequências de ação e tiroteio sanguinolento filmadas a trouxe-mouxe, mais uma risível “mensagem” anti-totalitária metida a martelo. E com o pormenor do sinal dissuasor de comportamentos criminosos funcionar apenas quando convém ao argumento. A síntese não é o forte do realizador Olivier Megaton, um “gremlin” de Luc Besson que errou a vocação e devia ter ido para cabouqueiro e que prolonga por quase duas hora e meia esta estrepitosa, ridícula, tosquíssima, sebenta e estupidificante aberração, acompanhada por uma banda sonora de rock genocida. Dá vontade de nos irmos desinfetar a seguir.

“The Last Days of American Crime” é um crime de lesa-cinema, e alguém devia inventar uma tecnologia que emitisse um sinal que impedisse gente como Olivier Megaton de se aproximar de uma câmara de filmar. Seria um bem que se fazia à humanidade em geral e aos apreciadores de bom cinema em particular.

“The Last Days of American Crime” já está disponível na Netflix