Nos mínimos. Mínimo de convidados (sete), mínimo de honras militares, mínimo de discursos, mínimo de minutos, 48 ao todo. Máximo, neste 10 de junho em tempos de tempestade pandémica, só mesmo as gaivotas a sobrevoar os claustros do Mosteiro dos Jerónimos e, mais importante do que isso, os avisos aos pares do Presidente da República. Foram quatro os travões que colocou para os tempos que se seguem, embora sem respostas concretas.

O estilo foi o habitual, avisar sem avisar. Questionando, cada ponto. Deixando no ar interrogações várias, todas elas a apontarem para os riscos que o país corre se não olhar “para o que está a mudar” nestes “tempos ingratos e decisivos”, se não pegar no que viveu e “converter em ação”. Marcelo Rebelo de Sousa nunca deu as respostas diretas, deixou-as nas entrelinhas das perguntas.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Aviso número 1: “A economia e a sociedade ainda não arrancou sustentadamente”

A primeira pergunta que Marcelo deixou no discurso do claustro do Mosteiro dos Jerónimos foi se o país “percebeu mesmo o que se passou” ou se pensa que “tudo foi um equívoco, um excesso, uma precipitação. Um exagero político ou mediático“. A estes, o Presidente atira números das consequências da Covid-19 em Portugal: “Cerca de 1.500 mortes. Mais dezenas de milhares de pacientes. Mais três centenas de milhares de desempregados. Oito centenas de milhares de trabalhadores em layoff. Milhares e milhares de empresas paradas. Mesmo setores totalmente paralisados”. Foi real, mas isto Marcelo não disse. Só expôs factos.

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E depois avisa, sem rodeios: “A pandemia ainda não terminou. E a economia e a sociedade ainda estão longe de terem arrancado sustentadamente”. A resposta, defendeu o Presidente, passa agora por “sofrer de um lado e recriar pelo outro”. Na plateia ali presente estavam de oito pessoas: o primeiro-ministro, o presidente da Assembleia da República o presidente das comemorações deste ano, o cardeal D. Tolentino de Mendonça, o presidente do Tribunal Constitucional, Manuel Costa Andrade, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, António Piçarra, o presidente do Tribunal de Contas, Vítor Caldeira, e a presidente do supremo Tribunal Administrativo, Dulce Neto.

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Aviso número 2. Travar “cálculos pessoais” dos políticos e de grupos sociais

“Os políticos fizeram uma trégua de dois meses e uniram-se no essencial”. Marcelo admitiu-o para introduzir mais uma rajada de questões que se estenderam não só a esta área mas também a quem garantiu, durante este tempo, “os serviços básicos”. Militares, forças de segurança, médicos, enfermeiros, por exemplo. “Achamos que é chegada já a hora de fazer cálculos pessoais? Ou de grupo?”

A resposta do Presidente está praticamente na pergunta e mais ainda na parte que a completa e em que classifica tudo isto de “acessório”. “De preferir o acessório àquilo que durante meses considerámos essencial? De fazer de conta que o essencial já está adquirido? Já passou? Já cansou? Já é um mero álibi para apagar a liberdade e controlar a democracia?”. Ou seja, para Marcelo, o tempo continua a ser de uma espécie de “trégua” política e social, em que os cálculos de poder ou de reivindicação apoiado no que se passou nestes tempos devem manter-se refreados.

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Aviso número 3. Refletir sobre as carências que foram expostas

Mas este freio à reivindicação não significa que o Estado — o Governo em funções — e também o setor privado não devam refletir sobre as carências que a pandemia expôs. É nesta medida que o Presidente da República exorta a que se perceba “aquilo que falhou na saúde, na solidariedade social, no público, no privado, no social”.

Para este capítulo, Marcelo pede “coragem e determinação” e não remendos e retoques, para o regresso ao “habitual, ao já visto”. Mais uma vez a resposta está nas palavras que escolhe para qualificar o lado de lá da ação. A questão, que “não se pode iludir”, adverte ainda, é que os portugueses vão esquecer-se do período que viveram depois deste passar por completo.

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Aviso número 4. Não fingir que não aconteceu: “Acordar para a realidade” e não responder com soluções do passado

De um travão para o outro. Depois de avisar que é preciso evitar ilusões, Marcelo reforça que “Portugal não pode fingir que não existiu existe pandemia. Como não pode fingir que não existiu, existe, uma brutal crise económica e financeira“. E as soluções para lhes responder não podem ser as do passado.

“Não podemos admitir que algo de grave ou muito grave ocorreu e esperar que as soluções de ontem sejam as soluções de amanhã”, disse o Presidente. Aliás, Marcelo diz mesmo que há cem anos, depois da pneumónia, o país “desperdiçou uma oportunidade única para fazer uma democracia moderna, livre, justa e inclusiva. Desperdiçamos a lição da pneumónia. Da última grande pandemia. E da crise económica social e política que se seguiu. Cem anos depois, não cometamos o mesmo erro“, espera.

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Desconfinar homenagens: “Heróis da saúde” e mortos

Na impossibilidade de condecorar todos os profissionais da saúde que responderam à pandemia, o Presidente da República aproveitou a cerimónia do 10 de junho para anunciar que o fará nas pessoas dos que trataram, no Serviço Nacional de Saúde, o primeiro doente com Covid-19 no país.

O que foi classificado como “o paciente zero” em Portugal foi João Gonçalves Azevedo, médico cardiologista no Hospital Padre Américo, em Penafiel. Foi diagnosticado a 1 de março, mas a Presidência ainda não confirmou de quem se trata quem Marcelo tem em mente. Certo é que o Presidente tenciona agora condecorar com a ordem do Mérito “o médico que acompanhou, o enfermeiro que cuidou, a técnica de diagnóstico que examinou, a assistente operacional”. Serão eles os representantes de “centenas e centenas de serviços e unidades de saúde”, justificou Marcelo.

Além disso, está também já prometida (Marcelo já tinha falado nisto) uma “cerimónia ecuménica, de crentes de várias crenças e de não crentes para homenagear os mortos”. A ideia é, disse, “envolver as suas famílias no calor humano de que foram privadas”.

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