“Se tivéssemos introduzido medidas de confinamento uma semana antes, teríamos reduzido o número final de mortos em pelo menos metade.” Não é qualquer um que faz estas afirmações. É Neil Ferguson, a quem os jornais britânicos atribuíram a alcunha de Professor Lockdown. É também o epidemologista que ajudou o governo de Boris Johnson a afinar as medidas de confinamento. E o mesmo homem que as violou para se encontrar com uma mulher casada com quem mantinha um relacionamento, acabando por demitir-se do cargo de conselheiro público sobre a epidemia.

“Portanto, embora ache que as medidas, dado o que sabíamos sobre o vírus, em termos de transmissão eram justificadas, certamente, se as tivéssemos introduzido mais cedo, teríamos visto muito menos mortes”, continuou Ferguson.

Desta vez, as afirmações de Neil Ferguson foram feitas frente a vários membros do parlamento britânico, durante uma audição, esta quarta-feira, da Comissão de Ciência e Tecnologia da Casa dos Comuns. A pergunta? Por que motivo o número de mortos no Reino Unido é muito maior do que as previsões originais? O mais recente balanço, divulgado esta quarta-feira, soma já 41.128  vítimas mortais no país.

A previsão de Ferguson era a de que no final da pandemia o Reino Unido iria ter um total de 50 mil óbitos e, segundo essas suas contas, ter antecipado o confinamento em 7 dias teria salvado 25 mil vidas.

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Neil Ferguson, o perito conhecido como “Professor Lockdown”, demite-se de cargo público depois de escândalo

Estas previsões não eram apenas de Ferguson, mas de um grupo de cientistas da Imperial College London, por si liderados. As suas projeções matemáticas levaram Boris Johnson a voltar atrás na estratégia de imunização de grupo e o primeiro-ministro britânico acabou mesmo a declarar o confinamento obrigatório.

Depois de ter estado na ribalta pelas melhores razões, os holofotes voltaram-se, de novo, para o Professor Lockdown pelas piores razões: recebeu visitas em sua casa de uma mulher casada com quem tinha um relacionamento amoroso, apesar de estar em isolamento social — ele próprio chegou a estar doente com Covid-19.

Coronavirus - Wed Jun 10, 2020

Neil Ferguson, demitiu-se do cargo de conselheiro público depois de ter violado as regras do confinamento para se encontrar com uma amante

Assumimos “erradamente” que os idosos em lares estariam a salvo

Para justificar a discrepância entre as suas previsões e os números de mortes já registadas no Reino Unido, Ferguson falou dos lares de idosos e voltou a frisar que, também ali, muitas vidas poderiam ter sido salvas.

“Fizemos a suposição bastante otimista de que, de alguma forma, os idosos seriam protegidos”, disse o epidemologista. “Mas isso simplesmente não aconteceu.”

Ferguson lembrou também que muitos funcionários trabalham em mais do que um lar, algo que os especialistas não tinham noção na altura, podendo ter sido eles o foco de contágio entre residentes de diferentes lares. A única forma de tentar evitar a entrada do vírus, defendeu, teria sido com a testagem massiva.

Os restantes especialistas ouvidos pela comissão afinaram pelo mesmo diapasão. “Um bloqueio anterior teria sido substancialmente melhor em termos de resultados de saúde e em termos de mortes”, disse Nicholas Davies, também conselheiro do governo.

Outro consultor, Matt Keeling, admitiu que o foco esteve mais em cima dos hospitais do que nos lares de idosos. “Refletimos sobre isso, dissemos que os asilos eram importantes, e pensámos que estavam a ser protegidos e provavelmente achámos que isso era suficiente. Mas, se calhar, devíamos ter perguntado com mais insistência: ‘Alguém verificou os lares de idosos, alguém verificou os lares de idosos esta semana, alguém nos pode dizer o que está a acontecer?’ Mas penso que havia muitos focos de atenção num período incrivelmente atribulado.”