A pandemia, o confinamento e a impossibilidade de fazer aquilo que se mais gosta e que de tanto se fazer poderia já parecer um bem adquirido também teve o condão de  fazer parar para pensar. “Estar longe dos relvados fez-me pensar. Como qualquer outro jogador, só quero voltar a jogar porque jogar é um prémio. Com as pessoas, é ainda mais lindo. Inspirar os outros e que os outros nos inspirem. Quem sabe, o título mais importante de todos é levar alegria a todos. Agora que o futebol voltou, estou pronto para ir à procura desse título mais uma vez”.

Numa campanha publicitária, Lionel Messi deu o mote para aquilo que representa o regresso do futebol na Liga espanhola. Depois de muitas especulações em torno do seu futuro, sobretudo por ter uma cláusula que permitiria sair do Barcelona naquela que seria sempre a maior transferência do ano, o argentino decidiu permanecer, voltou aos treinos como se fosse a primeira vez (apesar de ter estado afastado alguns dias por uma contratura) e entrou em Camp Nou a olhar para as bancadas vazias como se fosse o miúdo de 11 anos que assinou pelos catalães. Entre títulos nacionais e frustrações europeias nas últimas duas temporadas, o número 10 voltava sem pensar no muito que tem ainda a ganhar esta temporada mas focando-se no essencial: fazer aquilo que mais gosta.

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“Está pronto para jogar, está perfeitamente ok. Treinou bem, não há qualquer problema. Tanto o Messi como muitos estes jogadores sabem controlar estas situações e como pouparem esforços quando for necessário. Neste arranque, vamos ver. Para alguns, quanto mais tempo estiverem em campo, melhor”, destacou Quique Setién, treinador do Barcelona, no lançamento do encontro dos catalães frente ao Maiorca.

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“O futebol, tal como a vida em geral, nunca mais será o mesmo. O regresso aos treinos, às competições e tudo o que antigamente fazíamos de forma normal vai agora começar mas de forma progressiva. Vai ser uma situação estranha para nós e para toda a gente, que terá de mudar as suas dinâmicas de trabalho. Muitas pessoas passaram por tempos difíceis porque esta situação afetou toda a gente, tal como a pessoas que perderam familiares e amigos e que nem sequer puderam despedir-se. Não há nada pior na vida do que perder aqueles que mais gostamos e não nos despedirmos. Isso criou em mim uma enorme frustração, é o mais injusto de tudo”, referiu Lionel Messi em entrevista ao El País, no final de maio. “Como vou recordar esta pandemia? Com um sentimento de grande pesar e frustração por todos aqueles que perderam as pessoas mais queridas, com um agradecimento infinito a todos os que lutaram contra o vírus nos hospitais, nos centros de saúde e na linha da frente”.

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Na antecâmara do regresso do Campeonato, a que se seguirá no caso do Barcelona a fase final da Champions, dois grandes assuntos marcaram o quotidiano do argentino: por um lado, as negociações para assinar um novo contrato no mês em que vai celebrar 33 anos, um vínculo que poderá ter mais três anos com um vencimento semelhante ao atual – 50 milhões de euros por época, mais variáveis; por outro, os recordes que pode ainda obter, desde superar os seis troféus Pichichi de Telmo Zarra (tem cinco golos a mais do que Benzema em 2019/20), alcançar 12 vitórias no Campeonato espanhol do antigo avançado do Real Madrid Paco Gento (conseguiu até ao momento dez) e superar os 643 golos de Pelé marcados em jogos oficiais pelo Santos (leva 627 pelo Barcelona).

Existem os objetivos individuais, existem os sucessos coletivos. Todavia, e como se percebeu ao longo dos últimos três meses, há outras metas que se tornaram mais prementes, mais mundanas, mais relevantes dentro do atual contexto em que todos vivem. Hoje, por exemplo, dificilmente Messi teria uma conversa como a que houve no jogo da primeira volta com o Maiorca, contada na antecâmara do encontro pelo próprio treinador do conjunto visitado, Vicente Moreno. “Disse ao árbitro que não foi falta e isso não caiu bem ao Messi. Houve troca de algumas palavras com ele. A caminho dos balneários, Messi virou-se para mim e disse-me: ‘Vamos marcar-vos sete’. Disse o mesmo a Suárez. Não marcaram sete mas ele marcou três. É o melhor do mundo. No final, os meus jogadores disseram-me que a culpa da derrota era minha porque tinha chateado o Messi”, revelou num canal do Youtube.

O início, a todo o gás, poderia trazer à memória esse 5-2 da primeira volta, com Arturo Vidal a inaugurar logo o marcador no segundo minuto de cabeça após cruzamento de Jordi Alba numa jogada que começou numa grande recuperação adiantada de Frenkie De Jong. No entanto, o ritmo acalmou nos minutos seguintes, não só pela boa réplica do Maiorca a partir do primeiro quarto de hora mas também por algumas más definições dos catalães no último passe, que condicionavam o resto das jogadas. Kubo, japonês emprestado pelo Real Madrid, foi sempre um quebra cabeças à solta e ainda colocou Ter Stegen em apuros mas seria o Barcelona a aumentar a vantagem ainda antes do intervalo com Braithwaite a aproveitar uma bola perdida na área para se estrear a marcar (37′).

De Messi, mais do mesmo. Sem barba mas com a mesma liderança, sem golos mas com a mesma influência (fez o passe para o 2-0), sem lances de fintar cinco ou seis adversários mas com os mesmos pormenores deliciosos muitas vezes nascidos em jogadas onde foi buscar a bola dez metros à frente do meio-campo para fugir às marcações. Se o peso do seis vezes melhor do mundo se fez sentir em campo, aquilo que se passou de anormal também o teve como “inspiração”: num momento que ainda não tinha sido visto em jogos à porta fechada, um adepto com a camisola da Argentina entrou no campo com todos os jogadores a rirem do sucedido e, depois de uma selfie com Jordi Alba, pareceu ir à procura de Messi (sendo que a transmissão deixou depois de mostrar esse trajeto). E o jogo terminaria ainda com a cereja no topo do bolo, com o argentino a fazer o 4-0 já nos descontos depois de ter assistido Jordi Alba no 3-0 (79′), num castigo demasiado pesado para tudo o que o Maiorca fez.