Depois de um período de sete jogos sem derrotas entre Campeonato e Taça, o desaire em Londres pela margem mínima frente ao RB Leizpig, na primeira mão dos oitavos da Liga dos Campeões, acabou por marcar uma viragem negativa no percurso do Tottenham a partir de meio de fevereiro, seguindo uma série de seis encontros seguidos sem qualquer vitória que envolveu uma descida de lugares na Premier League, o afastamento nos oitavos da Taça e a eliminação das provas europeias. Ou seja, José Mourinho, o outrora Special One, carimbava aquela que foi a sua maior sequência consecutiva de jogos sem vencer da carreira. Seguia-se o Manchester United.

Mourinho colocou as luvas, pôs a máscara e juntou-se no apoio aos mais velhos e vulneráveis em Enfield

Vários factores justificaram tamanha quebra dos spurs. Vários e com múltiplas explicações. Alguns exemplos mais práticos: a ausência de Harry Kane, o grande goleador da equipa e único avançado de um plantel desequilibrado nesse sentido que nunca foi esquecido entre as experiências com unidades mais móveis como Lucas Moura, Son ou Dele Alli; o número elevado de lesões sobretudo em elementos de meio-campo, setor fundamental na ideia de jogo que o português montou na nova equipa; o desacerto defensivo, com muitos erros individuais a penalizarem muito o comportamento coletivo sem bola. Com a retoma, havia a esperança de que alguns desses problemas fossem resolvidos mas à notícia do regresso de Kane juntaram-se as ausência de Tanganga (lesão) e Alli (castigo).

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“Lamento que o Dele Alli não possa jogar. Não me parece que ele mereça uma suspensão de um jogo, quando comparado com outros comportamentos errados de muito maiores dimensões que correram neste período e não tiveram quaisquer consequências”, comentou a esse propósito o técnico português, no lançamento do jogo com a anterior equipa em Inglaterra. “Há uma sensação parecida com a primeira jornada. Após uma longa paragem, não sendo o matchday 1, sentimos como algo especial porque vem de uma longa paragem. Nem jogos de preparação houve… Ando no futebol há duas décadas, é difícil dizer ‘Isto é novo para mim’ mas agora é mesmo”, salientou na antevisão que foi feita por videoconferência e onde confirmou a titularidade de Harry Kane.

Até nos próprios comentários ao lançamento do jogo grande da jornada na Premier League, e mesmo sabendo que o Tottenham estava em muito pior momento do que o Manchester United na altura da paragem, o grande foco era a formação de Londres e o que poderia ter Mourinho preparado. “Tem testado as barreiras do confinamento até ao limite e o Tottenham até foi punido quando foram apanhados a treinar no parque. Ele é um treinador que pensa sempre em como pode ganhar vantagem. Se isso significar quebrar as regras, ele vai quebrá-las. Mas penso que só mostra que, durante esse período, pensaram que a corrida pelos quatro primeiros lugares está em aberto”, disse por exemplo Jamie Carragher, antigo internacional e capitão do Liverpool que é hoje comentador.

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Até aqui, tudo certo. O problema é que do outro lado estava um Manchester United em crescendo (oito vitórias e três empates nos últimos 11 encontros), que já é colocado na lista de principais candidatos ao título na próxima temporada e que poderia agora experimentar a dupla que os adeptos tanto ansiavam entre Paul Pogba e Bruno Fernandes. “Queremos continuar na mesma forma que estávamos quando parámos ou mesmo fazer melhor. Este primeiro jogo vai ser muito importante para terminar bem a temporada. A única diferença é que agora temos que chegar todos a horas diferentes e não podemos fazer tudo igual mas o mais importante é que podemos treinar e estar todos juntos”, destacou o médio português, que também foi muito elogiado por José Mourinho.

A “nova normalidade” que existe hoje no futebol inglês não demorou a mostrar que existe também uma outra ordem que nada tem a ver com os momentos que as equipas atravessavam antes da pandemia. Organizado em termos táticos, capaz de encurtar as zonas de construção em terrenos mais avançados e explorando a velocidade nas saídas com colocação de bola nas alas aproveitando as subidas dos laterais contrários, o Tottenham deixou o primeiro aviso num remate à figura de Son (12′) antes do melhor período do Manchester United até ao intervalo, com Rashford a obrigar Lloris a uma grande defesa com a perna no chão antes de novo aviso de Fred (22′).

A paragem de 30 segundos (que é bem mais esticada do que isso) para os jogadores poderem beber água junto aos seus bancos foi aproveitada por Mourinho para ter algumas conversas individuais e fazer retificações. Por um lado, a Sissoko, que muitas vezes ficava desposicionado no meio-campo arrastado pelas movimentações dos médios dos red devils; por outro, a Bergwijn, que muitas vezes ia procurar a bola quando tinha mais a ganhar se explorasse o espaço. Bruno Fernandes, no reatamento da partida, ainda teve um remate rasteiro com perigo à baliza de Lloris (25′) mas seriam os londrinos a terminar da melhor forma como o golo inaugural de Bergwijn, numa jogada individual fantástica a deixar Maguire no chão antes do remate a fuzilar de Gea (27′), e uma chance flagrante de Son, a cabecear ao segundo poste em arco com a bola a cair para grande defesa do espanhol (31′).

Tudo corria de feição ao Tottenham, numa exibição com parecenças à que tinha feito no triunfo caseiro frente ao Manchester City, mas a partida iria mudar e muito de corrente durante a segunda parte: depois de uma primeira fase onde o United conseguiu não só encontrar outros espaços que não existiam nos 45 minutos iniciais, como aconteceu num remate de Bruno Fernandes que passou a rasar o poste da baliza dos visitados, como bloquear por completo as saídas dos londrinos em transição, de tal forma que os dois avançados no apoio a Kane partindo das alas, Son e Bergwijn, estiveram mais vezes em ação defensiva do que no meio-campo adversário.

Faltava algo mais e Solskjaer, olhando para o banco, percebeu o que era: trocando Pogba por Fred e colocando o médio francês mais perto do raio de ação de Bruno Fernandes, o Manchester United ganhou predominância no corredor central e outra acutilância no lado direito do ataque com a entrada de Greenwood para o lugar de Daniel James. Foi nesse período que Martial, que já tinha desaproveitado uma oportunidade flagrante na área após grande assistência de Bruno Fernandes, rematou forte para a defesa da noite de Lloris para canto (66′). A pressão dos visitantes acentuava-se mas também Mourinho mexeu bem, trocando Lamela e Bergwijn por Lo Celson e Gedson Fernandes e ganhando de novo algum equilíbrio no meio-campo que foi permitindo à equipa respirar.

Quando esse ímpeto do Manchester United parecia controlado mesmo depois da entrada de um avançado mais de área (Ighalo), Pogba conseguiu com uma finta curta sublime desviar Dier do caminho e acabou por ser empurrado na área pelo internacional inglês formado no Sporting, arrancando uma grande penalidade que foi protestada mas acabou confirmada pelo VAR enquanto Bruno Fernandes já tinha a bola na mão. Na conversão, o português enganou Lloris, fez o empate e foi a correr até à baliza dedicar o golo à mulher que está grávida antes de correr para o meio-campo percebendo que ainda havia tempo para arriscar a reviravolta no encontro (que não houve, apesar de um lance onde ainda foi assinalado mais um penálti mas o VAR reverteu e bem a decisão). Em seis jogos na Premier League, o ex-capitão leonino leva três golos e três assistências. E promete não ficar por aqui.